Pensar sobre o tempo cotidianamente parece ser uma tarefa simples. “Daqui a pouco eu tenho um compromisso”, “mais tarde irei jantar com os meus pais”, “em duas semanas irei viajar”, “faz 10 anos que me casei” são exemplos de frases que implicitamente evocam da mente humana uma certa noção do tempo. Nota-se, em todas elas, que o tempo em si não é definido, mas apenas intervalos de tempo são mencionados. Mas então, o que é propriamente o tempo?
É uma questão muito difícil de ser respondida, mas a princípio, é possível medir o tempo. De acordo com o Sistema Internacional de Unidades, a unidade padrão para que se possa medir o tempo é o segundo. Historicamente, o segundo era definido em termos da dimensão e rotação terrestre (em termos mais precisos, 1/86400 de um dia solar médio). Atualmente há uma definição mais precisa do segundo, definida em termos do período de radiação do átomo de césio 133. Mesmo com a definição de um padrão, ainda assim não se chega a uma resposta do que é o tempo.
Albert Einstein, uma das maiores mentes do século XX e desenvolvedor da Teoria da Relatividade, numa tentativa de definir o que é tempo disse que ele é “uma ilusão. A distinção entre passado, presente e futuro não passa de uma firme e persistente ilusão.” Essa ilusão de que Einstein fala está ligada intimamente à percepção humana do que é tempo. Intuitivamente, nossa experimentação nos diz que o tempo se divide em passado, presente e futuro.
Santo Agostinho, no Livro XI de sua famosa obra “Confissões” reflete sobre o que é passado, presente e futuro. Ele afirma que não existe passado e nem futuro, mas o que realmente existe é nossa experimentação contínua de um presente. E por que o passado e o futuro não existem? Segundo o Bispo de Hipona, o passado é aquilo que vem até nossas memórias, e não os fatos em si, que já deixaram de existir. Por exemplo, lembramos de nossas brincadeiras quando éramos crianças, e isto são memórias de acontecimentos que já não podem mais existir. Quanto ao futuro, isto seria uma esperança daquilo que ainda há de vir, portanto ainda não existe.
A conclusão de Agostinho, portanto, é que existem três tempos: presente do passado, presente do presente e presente do futuro. Presente do passado porque o passado só existe como uma memória no presente. Presente do futuro porque é aquilo que se espera que aconteça. E assim, a nossa percepção, ou o nosso espírito, vive nesse presente do presente, pois é aquilo que existe.
Até aqui refleti sobre o que é tempo, apesar de não chegar a uma resposta definitiva sobre o que ele realmente é. Mas de que vale tudo isso? Antes de afirmarmos qual valor tem essa reflexão, é importante ressaltar que existe um ser único tal que sua existência não está limitada ao tempo. Já que não se limita ao tempo, podemos dizer que ele não envelhece, não tem início e nem fim. Ou seja, não é algo criado, porque tudo que é criado tem início, meio e fim. Esse ser, o qual o conhecemos como Deus, é eterno, e na eternidade determinou o início e o fim de tudo aquilo que Ele criou.
O esforço de compreender a natureza do tempo nos leva a um caminho que é uma tentativa de conhecer Aquele que se apresentou a Moisés como “Eu Sou” (Ex. 3:14). Note que Ele não era, e nem será. Ele É! É como se Deus vivesse um eterno hoje. Para Ele nada se passa, e nada vem. É como se o tempo, que tem início e fim, fosse um único ponto, e Deus, que possui sua existência fora da limitação do tempo, observasse esse ponto em que se encontra passado, presente e futuro. Ele sabe tudo sobre o passado, assim como conhece o hoje e o que há de vir.
Entender sobre Deus e sua natureza (em especial, sua eternidade) nos leva a uma compreensão de nós mesmos. Compreender (não de uma forma exaustiva) o divino acaba apontando para algo em nós: nossa temporalidade. Certo é que, diante de um ser que transcende nossa compreensão, nós somos apenas um grão de poeira diante dEle. É como Moisés, no Salmo 90, disse:
“Tu os arrebata no sono da morte; são como a erva que cresce de madrugada, de madrugada cresce e floresce, e à tarde corta-se e seca” (Sl. 90:5-6).
O que somos nós diante dessa experiência tão visceral que é o tempo? Os anos se acumulam em nossas costas, nós mudamos e então a morte dessa vida nos arrebata. Assim, vemos uma importância sobre refletir o que é o tempo: temos consciência da nossa limitação e fragilidade, e assim, recorremos e adoramos Aquele que é, que não envelhece, que não muda e é imortal.
Além desse chamado a adorar o grande Deus, refletir sobre o tempo nos traz sabedoria. No mesmo Salmo citado no parágrafo anterior, Moisés diz “Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos o coração sábio” (Sl. 90:12). Essa sabedoria, que não vem de nós, mas sim do Senhor, pois é Ele quem nos ensina, não está relacionada só a uma contagem de números quanto ao nosso tempo de vida. Sabemos que geralmente “a duração de nossa vida é de setenta anos, e, […] alguns, pela sua robustez, chegam aos oitenta” (Sl. 90:10-a), entretanto, o que seria a contagem do tempo? Certamente aqui não é o caso de recorrermos ao padrão definido pelo SI sobre o que é tempo para mensurarmos uma certa quantidade, mas sim, sobre o quão rápido é nossa peregrinação aqui na terra. Pois, certamente, Deus não nos fez para simplesmente estarmos limitados a essa frágil temporalidade. O quão perturbador seria se nossa existência fosse presa à mortalidade do nosso corpo. Mas Deus nos criou para louvor e glória dEle, e colocou em nossos corações a eternidade (Ec 3:11).
Que ao refletirmos sobre o tempo possamos reconhecer a grandeza de nosso Criador e louvá-lo por isso. Que também possamos reconhecer nossa pequenez e fragilidade diante do Deus imortal e do tempo, para que assim alcancemos um coração sábio. Finalizando o texto, gostaria de deixar duas citações:
“Antes que os montes nascessem, ou que formasses a terra e o mundo, de eternidade e eternidade, tu és Deus.” (Sl. 90:2)
“És grande, Senhor e infinitamente digno de ser louvado; grande é teu poder, e incomensurável tua sabedoria. E o homem, pequena parte de tua criação quer louvar-te, e precisamente o homem que, revestido de sua mortalidade, traz em si o testemunho do pecado e a prova de que resistes aos soberbos. Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja louvar-te. Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso.”
(Confissões, Livro I, cap. I- Louvor e Invocação; Santo Agostinho)
JOÃO!