“E o bambú?”

O leste da Ásia é também conhecido como a Civilização do Bambu, não apenas porque o bambu tem sido amplamente utilizado na vida cotidiana, mas também porque suas qualidades simbólicas foram descritas e celebradas por centenas de anos na filosofia do Taoísmo.

 

O bambu é classificado como grama e não como árvore, mas é alto e forte o suficiente para criar bosques e florestas. Ao contrário de um tronco de árvore, os caules do bambu são ocos, mas seu vazio interior é a fonte de seu vigor. Ele se dobra em tempestades, às vezes quase até o chão, mas depois volta com toda força, resiliente. Devemos, diz Lao Tse, “tornar-nos como o bambu”.

 

O maior pintor de bambu foi o poeta, artista e filósofo taoísta Zheng Xie da dinastia Qing. Diz-se que Zheng Xie pintou 800 quadros de florestas de bambu, vendo neles um modelo perfeito de como uma pessoa sábia pode se comportar. Ao lado de um desenho de bambu com caneta e tinta, ele escreveu em caligrafia elegante: “Agarre-se à montanha, crie raízes em um penhasco quebrado, fique mais forte após as tribulações e resista ao vento forte de todas as direções”. Era dirigida ao bambu, mas significa, claro, para todos nós.

 

Quando nos vemos diante de um futuro difícil, é fácil ficar deprimido e não ter esperança. Mas uma das escolas de filosofia, o estoicismo, tem umpouquinho para nos ajudar a lidar com os tempos difíceis. Os estoicos amavam e desfrutavam a vida, e faziam isso sendo realistas sobre a imprevisibilidade da vida. Isso é o que significa ser resiliente.  É a nossa habilidade – real ou percebida – de superar ou nos recuperar de situações difíceis, de dar a volta por cima dos problemas e entrar nos eixos outra vez.

 

Resiliência não é deixar para lá. Nós simplesmente não conseguimos fazer isso depois de muitos eventos da vida – e nem deveríamos querer. Resiliência é sobre seguir em frente, aceitando a perda ou a mudança. Mudança é o que mais estamos vivendo neste momento.

 

Nossa mentalidade – a forma como vemos ou abordamos o mundo e os problemas da vida – frequentemente determina nosso nível de resiliência e, portanto, como lidamos com mudanças e perdas. Desenvolver a resiliência frequentemente requer mudar pensamentos e comportamentos habituais: fazer mais o que aumenta a resiliência e menos o que a diminui.

 

Um passo essencial é assumir a responsabilidade sem sermos duros demais com nós mesmos: sentir-nos mal sobre algo pode nos motivar a corrigir a situação ou a mudar para melhor, enquanto sermos duros demais pode, na verdade, impedir-nos de agir.

 

E Jesus, o que ele nos ensina sobre somo lidar com a vida? Bem, Jesus não cansa de dizer “não andem ansiosos com o dia de amanhã, pois Deus tem cuidado de nós”.

 

Jesus não promete que irá mudar o ambiente em que vivemos, mas ele tenta nos ensinar a mudarmos a nós mesmos, buscando uma perspectiva de esperança e de segurança, não porque o mundo é bom, ou porque as pessoas vão mudar, mas porque temos um pai que cuida. Portanto, ser resiliente, no contexto do Evangelho, é ter esperança, e a esperança é a filha da fé.

“Portanto agora ficam estas três coisas: a fé, a esperança e o amor.” 1Co 13.

 

Resiliência é um tipo de esperança. Assim como otimismo pode ser encarado como um tipo de fé. E como disse Jorge Paulo Lemann: “Nunca vi um pessimista bem sucedido, nem nos negócios e nem na vida”.

 

Não quero dizer que devamos ser ingênuos em relação à vida e às pessoas. Aliás, Jesus não nos orienta a sermos ingênuos, pois ele diz “sejam prudentes como as serpentes”. Mas a questão é que viver não é para amadores… E Jesus, o profissional da vida, nos deixou esta lição da esperança e da fé, a qual Lao-Tsé parafraseou assim: “Torne-se como o bambú.”

 




O MANJERICÃO E A ABUNDÂNCIA

“O paradigma da escassez afirma que não existe o suficiente pra todo mundo. Esse pensamento dá origem ao medo e a disputa por dinheiro e bens materiais. Uma mentalidade de abundância, por outro lado, diz que sempre existem novas chances e oportunidades e que há mais do que o suficiente para que todos possam ter uma vida plena e próspera”.

 

Por Simone Maia

 

O manjericão é uma das minhas ervas de tempero prediletas. A começar pelo molho pesto, passando pela salada até chegar ao molho de tomate, muitas coisas que faço levam manjericão. Quando comecei a gostar de usar, não achava facilmente para comprar, mas minha amiga Anna Maistri, então minha vizinha e dona da melhor receita de pesto que eu conheço, sempre tinha manjericão da horta dela para dividir comigo.

 

A vida me levou para São Paulo e quando me trouxe de volta para Brasília, recebi visita da minha amiga Anna na casa para onde nos mudamos – a casa nova era longe da casa da Anna. Então, eis que ela chega com um vasinho plantado com uma bela muda de manjericão diretamente da horta dela para o meu novo jardim! Uma muda linda e preciosa daquele manjericão grandão, cheiroso, delicioso e especial que faz um montão de pesto!

 

Sempre cuidei com carinho do meu pé de manjericão, mas ele nunca prosperou tanto quanto o manjericão da Anna. Anna sempre tinha manjericão e eu não! Seis anos se passaram entre ter manjericão na horta para usar a hora que quisesse e não tê-lo. Até o dia em que os pés de manjericão acabaram completamente e eu pedi à Anna uma nova muda. E eis que ela respondeu: “Também estou sem. Aconteceu alguma coisa na horta e acabou todo o manjericão”.

 

Dois anos se passaram e eu me mudei de casa mais uma vez! Preparando para mudar, me dei conta que certa vez eu havia feito um arranjo com alguns galhos secos cheios de sementes do manjericão da Anna. Eu havia esquecido. Que alegria! E parti para uma nova empreitada de plantio de manjericão. Eu e Luciano semeamos em um “berçário” e logo logo as mudinhas  verdinhas começaram a surgir. Mas…. a alegria durou poucos dias, pois as mudinhas estavam enfraquecidas e não tinham forças para continuar crescendo.

 

Em uma tentativa desesperada de salvar minhas últimas mudas, transplantei todas elas meio que de qualquer jeito para uma pequena horta que meu pai e minha netinha haviam feito no novo jardim. E torci!

 

Em meio a tudo isso, ganhei de presente do meu novo vizinho um pezinho de manjericão. Ao me entregar o vaso, o Sr. Antônio recomendou: “sempre corte as flores para ele crescer”! Com todo carinho, plantamos o novo pezinho de manjericão ao lado da horta, que já estava cheia de orégano, alecrim, hortelã e as mudinhas do manjericão da Anna que lutavam para prosperar. E qual não foi minha surpresa quando percebi que tudo estava crescendo e ficando lindo! Todos os temperos, inclusive os dois tipos de manjericão – o da Anna e o do Sr. Antônio!

 

Um belo dia, festejei: “Eba! Já dá para usar o manjericão”!

 

Contudo, antes de começar a tirar as folhas tive o cuidado de assistir a um pequeno vídeo na internet sobre como tirar as folhas do manjericão para não estragar o pé. Peguei uma tesoura e parti para a horta para ser feliz! Associei a técnica da extração recém aprendida à poda regular das flores e assisti aos meus pés de manjericão crescendo e crescendo e crescendo  até o ponto de ter para mim e para dividir.

 

E um belo dia, enquanto voltava da horta com as mãos cheias de manjericão exalando o mais delicioso dos perfumes, me peguei refletindo sobre a lógica absolutamente maluca dos novos pés de manjericão: quanto mais eu corto, quanto mais eu podo, quanto mais eu uso, quanto mais eu divido, mais manjericão eu tenho! Para quem é agricultor, minha descoberta não traz novidade alguma. Mas para a pessoa urbana que sou, a lógica do crescimento do meu manjericão me remete a algo muito legal: o manjericão segue a lei da abundância. Se eu achar que o manjericão vai acabar e por isso eu ficar economizando e tirando poucas folhinhas de cada vez (lógica da escassez), o pé vai enfraquecer e minguar até acabar. Mas, se eu cortar as pontas e tirar bastante para usar, terei muitas flores, novas sementes, e o pé cresce a ponto de tombar de tão grande e pesado! Foi o que aconteceu aqui na minha horta.

 

Que milagre maluco! Que lógica linda para se aplicada a tudo na vida: a certeza de que algo não vai acabar gera um ciclo lindo de abundância – quanto mais eu compartilho, quanto mais eu distribuo com as pessoas, quanto mais eu uso os recursos que tenho, mais me fortaleço e para ser canal de bênção na vida das pessoas – canal de carinho, de amor, de cuidado e até de grana, quando necessário.

 

Enquanto eu “economizei” meu manjericão para que nunca me faltasse, tive pezinhos fracos que minguavam até a morte. E agora que aprendi a podar e a usar “em abundância” e sem medo de que ele acabe, ele cresce lindo, viçoso e exuberante.

 

Vou me lembrar sempre dos meus pés de manjericão quando um pensamento de escassez qualquer cruzar minha mente e, inadvertidamente, eu pensar que algo vai me faltar. Vou me lembrar que meu Pai do Céu é um Deus de abundância e de provisão material, espiritual e emocional.  E que você possa lembrar disso também! Que a nossa matemática seja tão inversa quanto a matemática celestial!

 

Simone Maia




Está todo mundo querendo ser curado?

Por Murillo Leal

 

Não importa como esteja sua vida. A grande ganância do ser humano é por cura. Todos querem ser curados da maneira como encaram a sua própria noção de felicidade. E precisamos de cura no seu sentido mais convencional, temos que recuperar quase que constantemente o significado das coisas.

Olhamos para a cura como se ela fosse apenas resultado de um fator externo a acontecer, mas quando tratamos as nossas paranoias, cuidamos dos nossos caprichos, medicamos as nossas manias, remediamos as nossas obstinações e recuperamos o sentido das coisas, acabamos restabelecendo uma nova realidade de existência apontada para uma vida com mais sentido, responsabilidade, significado e liberdade.

Não estou falando de uma vida sem ameaças, mas na possibilidade real de convivência saudável e contínua com riscos, mesmo que na total eminência de perigos que coloquem coisas importantes da vida a perder. É possível ter uma vida equilibrada ainda que haja possibilidades de ruínas futuras mais pra frente. É isso que precisamos saber.

O grande desafio do ser humano é entender a dimensão da plenitude da vida. Sem filosofar á toa. As pessoas se perguntam diariamente como podem melhorar a qualidade de vida que tem, como lidar com a desafiadora área financeira, como potencializar sua saúde e ter mais disposição para sonhar e realizar. São perguntas complexas, mas pautadas na realidade.

Somos homens e mulheres que buscam diariamente aprender a botar em prática ações de desenvolvimento pessoal e intelectual, que se perdem ao tentar atingir uma espécie de equilíbrio emocional favorável e não fazem ideia de como dedicar-se ao autocuidado com precisão.

As pessoas sofrem tanto porque não sabem como entender, respeitar, firmar e emancipar seu caráter para desenhar uma personalidade saudável, desprezam o mundo externo da espiritualidade como se os olhos fossem o único medidor de realidade, querem saber como valorizar e admitir bons passatempos para ter práticas de lazer restauradores.

Cada ser humano necessita ressignificar a vida social com momentos satisfatórios, quer compreender onde a sua contribuição social está alocada, em que momento o esforço e o resultado se combinam na ideia de carreira e não sabe ao certo como o mundo dos negócios, o mercado e o universo do trabalho podem se desenvolver como parte da sua prórpia vocação. A gente quer entender nosso lugar no mundo.

E, além disso tudo, temos uma série de dificuldades para identificar em que lugar está o espaço e tempo disponível para aproveitar o ambiente de família como um lugar de descanso e reposição de energia. Queremos vivenciar relacionamentos amorosos que contribuem para nossa noção de grupo, que nos faça não nos sentir sozinhos e viver experiências suficientes para desenvolver uma visão de mundo realista, ponderável e propositiva.

Ser curado das coisas é também um trabalho ativo diante da vida. Perdi muito tempo tentando reconhecer os agentes causadores do meu sofrimento e dando-lhes poder de me influenciar por completo, mas o que eu não me dava conta era que a principal razão para não me curar das marcas do tempo, das pessoas perturbadoras, das situações de maldade, dos traumas vividos, das vergonhas passadas, dos enganos caídos, dos receios mais comuns e dos relacionamentos fracassados, era que eu não criava um ambiente de cura possível. Já pensou nisso?

Entendi uma coisa importante sobre minha cura. Descobri um jeito de olhar para tudo que servia para lidar com qualquer dor que um dia eu já enfrentei, que combato hoje e que encararei amanhã.

Tenho carregado isso como uma espécie de mantra, ou melhor, como um guia verdadeiro de lucidez que tem me ajudado a realizar boas escolhas e a aplicar ações pontuais nesse desafio de querer, poder e permitir ser curado.

Botei essa minha lucidez em algumas palavras. Quero te provocar a conhecer isso, mas também a “resolver” cada um dos seus problemas com coragem, ler e reler essas palavras tentando buscar ações concretas que te arranque do lugar-comum e que te coloque diante de uma lista de coisas a fazer. Pense e planeje, mas principalmente seja consistente na busca pela cura. Pronto, então lá vamos nós. A ideia é que:

Para ser curado, você tem que ser capaz de ir fundo.

Para ir fundo, você tem que ir devagar.

Para ir devagar, você tem que dominar a sua velocidade.

Para dominar sua velocidade, você tem que ser honesto.

Para ser honesto, você tem que estar abraçado com a verdade.

Para abraçar a verdade, você tem que ir na direção dela.

Para ir na direção dela, você tem que adotar um ritmo.

Para adotar um ritmo, você tem que conhecer seus limites.

Para conhecer seus limites, você tem que testá-los.

Para testar, você tem que sair do lugar.

Para sair do lugar, você tem que começar com passos simples.

Para dar passos, você tem que criar coragem.

Para criar coragem, você tem que ter objetivos claros.

Para ter objetivos claros, você tem que saber o que te movimenta.

Para saber o que te movimenta, você tem que querer ser curado.

Isso é mais que palavras amontoadas. Não é uma cartilha de auto-ajuda. Isso é algo que tem que gerar reação em você, que te força a pensar e atuar. Somos imaturamente cínicos com a nossa vida. Não acreditamos que somos sábios o suficiente para olhar para a nossa vida e realmente pensar sobre o que significa mudar de verdade. Você sabe o que precisa mudar.

O fato de não querermos olhar para o óbvio nos leva para um lugar perigoso. Somos como reféns que se dão conta que estão sequestrados, e gritam apavorados de dor, mesmo sabendo que as cordas podem estar frouxas.

Agir com responsabilidade significa estar em um lugar onde você pode dizer a verdade a si mesmo e não precisar se esconder do que sente, mas utilizar os sentimentos crus para transformar o risco em ação.

Se você tem dúvidas da razão pela qual está fazendo algo, observe os efeitos imediatos daquilo, analise as consequências a longo prazo e não se esconda dos resultados que podem gerar as suas próximas ações, seja qual for o sentimento que apareça nesse caminho, então, trate a verdade como sua única aliada. Ande em direção da cura.

Mudar tudo que precisa ser mudado significa o que para você? Você quer mesmo ser curado? Abandone-se pelo caminho, esqueça o que conhece e mude de direção, porque é exatamente agora a hora de ser curado de determinadas coisas antigas. Assuma que a cura é a sua única chance de continuar vivendo.

 

Murillo Leal | Jornalista | Top Voice Linkedin | 380.000 seguidores| Palestrante e Professor | Storytelling e Conteúdo.




VELHO É O OUTRO.

Por Monize Marques

Recentemente publiquei minha dissertação, com um estudo sobre o envelhecimento. Nela, tive a oportunidade de fazer uma pequena reflexão, de onde extraí um trecho que gostaria de compartilhar com vocês…

“Andréa Pachá (2018), após ser designada para o exercício da magistratura na Vara de Sucessões no estado do Rio de Janeiro, deparou-se com diversos dilemas decorrentes do envelhecimento e de como a sociedade não está preparada para discutir sobre isso. Ela narra como se surpreendeu pelo fato de ter envelhecido, de estar cercada de velhos e de como ela mesma continua enxergando a todos como jovens. Ao questionar sua mãe, de 77 anos, de quando ela se percebeu velha, Pachá (2018, p. 11) ouviu: “Nunca! Eu ainda não sou velha!”.

Beauvoir (2018) já havia feito essa constatação, destacando que a sociedade descreve a velhice na perspectiva do ‘outro’, enquanto ser objeto de estudo. Velho é o outro e, quando se trata de alguém próximo de nós, descobrir a velhice dele é um duro golpe.

“É normal, uma vez que em nós é o outro que é velho, que a revelação de nossa idade venha dos outros. Não consentimos nisso de boa vontade. “Uma pessoa fica sempre sobressaltada quando a chamam de velha pela primeira vez”, observa O.W.Holmes. (…) Assim, quando ouvimos nos chamarem de velhos, muitas vezes reagimos com cólera.” (BEAUVOIR, 2018, p. 302)

De início, pensou-se que esse processo de negação da velhice derivasse da visão capitalista das relações, sobretudo no mundo ocidental. Todavia, já antes de Cristo, há relatos de que a visão da própria velhice está comprometida por quatro razões possíveis: 1) afastar o homem da vida ativa; 2) enfraquecer o corpo humano; 3) privar o homem dos melhores prazeres; e, 4) aproximar o homem da morte (CÍCERO, 2019).

Se há a recusa do próprio envelhecimento, não há que se falar em visibilidade do envelhecimento populacional como um todo. Se este segmento etário não se apropria das suas peculiaridades na preservação da sua autonomia, consente, ainda que de forma velada, pela expropriação da sua capacidade de expor suas preferências e vontades. Se não houver um debate profundo sobre as circunstâncias que envolvem a velhice, sobretudo no campo da saúde e participação no trabalho, estaremos recusando anos de avanço da ciência, que há décadas busca acrescentar anos na expectativa de vida. Parece, pois, um grande contrassenso, querer aumentar a expectativa de vida, mas evitar os desafios da velhice.

Neste ponto, vale reproduzir as lições de Cícero (2019, p. 34):

A velhice só é honrada na medida em que resiste, afirma seu direito, não deixa ninguém roubar-lhe seu poder e conserva sua ascendência sobre os familiares até o último suspiro. Gosto de descobrir o verdor num velho e sinais de velhice num adolescente. Aquele que compreender isso envelhecerá talvez seu corpo, jamais em seu espírito.

Refletir sobre o envelhecimento populacional, e circunstâncias sociais decorrentes dele, passa por assumir o próprio envelhecimento, confrontando eventuais suposições preconceituosas em relação à velhice, fundamentadas em estereótipos ultrapassados.

Por isso, as lições de Cícero (2019, p. 53) permanecem atuais: “Ouve-se ainda dizer que os velhos são mal-humorados, atormentados, irascíveis e rabugentos – e mesmo avarentos, examinando bem. Mas esses são defeitos inerentes a cada indivíduo, não à velhice.””

Aliás, quantas vezes associamos a adolescência à ‘aborrecência’, a infância à birra. Mas será que realmente todos os adolescentes são rebeldes? Talvez haja um tanto de incompreensão nisso… E será que todas as crianças são birrentas? A meu ver, mais um tanto de incompreensão…

Enfim, sabe o que diz a Bíblia sobre o passar do tempo para os filhos de Deus? Que, plantados na Casa do Senhor, mesmo na velhice, ainda darão frutos, permanecerão viçosos e verdejantes, para proclamar que o Senhor é justo (Salmos 92, 14). Frutos de sabedoria e paz, que ora podem simbolizar alimento, ora sombra. Pois também ensina a Palavra do Senhor que é a convivência entre as gerações que traz força aos mais novos:

Agora que estou velho, de cabelos brancos,
não me abandones, ó Deus,
para que eu possa falar da tua força
aos nossos filhos,
e do teu poder às futuras gerações.
Salmos 71:18

Que queiramos ter e transmitir a sabedoria e força dos mais velhos. Pois, a depender da referência, velhos não são os outros… Velhos somos todos nós.

 

Monize Marques
08/05/2022

 

 

BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Maria Helena Franco Martins(trad.). 2 ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2018.

CÍCERO, Marco Túlio, 103-43 A.C. Saber envelhecer e A amizade. Porto Alegre: L&PM, 2019.

PACHÁ, Andréa. Velhos são os outros. 1. ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.




Deixem nossos velhos viverem (ou morrerem) em paz…

 

 

Saímos do hospital depois de uma visita para um velho tio, farto de dias, rico de experiências, cansado de existir. Conversei muito com ele já que poucos o visitavam e creio que as muitas horas no leito hospitalar fossem entediantes. Aquele velhinho não falou de economia, política ou futebol, mas contou sobre seu passado. Quanto assunto, quanta coisa… Quanta vontade de descansar depois de tantos anos produzindo…  Seu assunto era o ontem, com pequenas variações também sobre o amanhã, o pós-leito que o aguardava… Ele não tinha esperanças de voltar para casa, mas sabia que os poucos tubos que o alimentavam e tentavam minimizar sua dor latente eram não mais que um paliativo para impedi-lo de dormir eternamente. Fiz questão de ouvi-lo muito, posto falar ser tudo o que ele podia fazer.

 

Ao sair daquele hospital, alguém que comigo estava disse: “Poxa, ele está sofrendo tanto… Porque será que Deus não o leva?”. Instantaneamente, sem tempo para pensar, respondi: Deus já o teria levado se o homem deixasse, mas por meio da ciência, estão prolongando o sofrimento desta vida, que realmente merecia o descanso.

 

O Salmo 90 diz o seguinte: “Só vivemos uns setenta anos, e os mais fortes chegam aos oitenta, mas esses anos todos só trazem canseira e aflições. A vida passa logo, e nós desaparecemos.” Naturalmente que temos que interpretar esta passagem não de forma literal, mas entendermos o kerigma, ou seja, a mensagem central, que neste caso é: a vida passa e quem vive além da conta, apenas sofre.

 

A única certeza que temos é que nossa existência humana não será eterna. Já nascemos sabendo que dos 150 anos não passaremos… Claro que é bem menos. Sabemos que somos finitos, mas não estamos tão preparados para lidar com esta realidade quando se trata de nossos pais ou avós. Queremos prolongar não apenas nossa vida, mas não queremos que nossos familiares concluam o ciclo da vida deles.

 

Impossível impedir que a chuva chegue, que o inverno esfrie o vento, que a folha caia e que nossos pais morram junto. Sim, todos partirão e o pior que podemos fazer é não nos acostumarmos com esta incontestável realidade.

 

Há algumas décadas as famílias assistiam seus progenitores morrerem naturalmente, dentro de casa. Chegava o dia em que a vovozinha simplesmente não acordava. Atualmente não vemos nossos velhos morrerem. Logo após o primeiro sinal de que algo não está indo bem, nós os levamos ao hospital, cirurgias são feitas, por vezes ficam nas UTIs da vida até a morte, solitários, com direito a madrugadas intermináveis, geladas e com visitas escassas.

 

Naturalmente que não estou defendendo aqui a prática da eutanásia, muito menos largar nossos velhos à própria sorte, mas estou falando sobre qual o limite ético, cristão e confortável entre o “cuidar do velho” e a distanásia*, que apenas prolonga o sofrimento daqueles que “Deus está chamando para descansar…”

 

Muitos não estão preparados para a morte dos velhos. Por vezes sequer querem tratar do assunto. Alguns que estão lendo este artigo, o fazem  ou com a testa franzida ou com o coração apertado. Contudo, chegará o dia em que nossa “máquina” entrará em colapso. O mundo está tão doido, que só o fato de usar a adjetivo “velho” (que aqui estou usando de propósito), já soa ofensivo. O passar dos anos não é natural para muitos, mas para o homem “moderno”, este passar dos anos é como uma ofensa divina, que deve ser disfarçada com eufemismos, do tipo, “melhor idade”. Para alguns velhice é doença, ou defeito…

 

O que leva uma família a prolongar infinitamente o sofrimento de um velhinho “querido”, cheio de tubos, aparelhos, agulhas e os mais variados tipos de drogas? Certamente que não é o amor pelo vovô ou pelo velho papai, mas é o amor por si mesmo. Como nós não queremos perder aquela pessoa ou não estamos preparados para vivermos sem ela, não queremos sofrer com  a morte do outro, assim, acabamos por prolongar o sofrimento daquele que dizemos amar, para procrastinar o nosso sofrimento. Disfarçado de amor ao outro, egoisticamente mantemos o sofrimento do outro para que nós não soframos a dor da perda. Contudo, muitos velhos prefeririam o descanso: “Estou cercado pelos dois lados, pois quero muito deixar esta vida e estar com Cristo, o que é bem melhor…” (Filipenses 1:23)

 

Especialmente quando este velho ou velha são cristãos, daí que menos preocupações ainda deveríamos ter com sua partida, posto, pela fé, sabermos que ele ou ela partirá desta vida de dores para uma existência espiritual de paz e descanso. Mas, como o descanso do outro significará dor para a família, inconscientemente a família escolhe a distanásia*, ou seja, “melhor que o outro sofra, mas não eu”.

 

Peço que isto não aconteça comigo. Gostaria que meus herdeiros deixassem minha vida passar desta existência para uma melhor, não entubado no vazio de um hospital, mas velhinho no aconchego do lar.

 

*Distanásia é a prática pela qual se prolonga, através de meios artificiais e desproporcionais, a vida de um enfermo incurável. Também pode ser conhecida como “obstinação terapêutica”. O termo distanásia foi proposto em 1904, por Morache, e tem sido empregado para definir a morte prolongada e acompanhada de sofrimento, associando-se à ideia da manutenção da vida através de processos terapêuticos desproporcionais.