PAI, MÉ DÁ?!

Há poucas semanas hospedamos os pais de minha esposa que vieram passar uns dias conosco e celebrar o aniversário da bisnetinha deles. Foi um tempo bem divertido. Contudo, observei bem o quão pre-ocupada e cuidadosa minha esposa ficou nas preparações desta visita: ela queria que tudo desse certo na estada dos pais dela.  Reservou um hotel bem confortável, pertinho da gente. Fez uma programação de passeios, preparou o apartamento com antecedência para recebe-los carinhosamente, comprou flores naturais para decorá-lo, frutas e snacks para a copa e praticamente bloqueou sua agenda profissional, para que pudesse ficar à disposição dos pais e ao mesmo tempo curtindo eles.

 

Se voltarmos ao tempo algumas décadas para observar a dinâmica da mesma família, a cena seria justamente inversa. Minha esposa, ainda criança e adolescente, é quem era o alvo de todos estes cuidados, carinhos e recursos. Os pais dela sempre foram progenitores muito cuidadosos e carinhosos. Nunca economizaram para prover a melhor educação formal que o salário de classe média deles pudesse alcançar: as melhores escolas, cursos de idiomas, viagens culturais, passeios e mimos… Se voltarmos ainda mais no tempo veremos o casalzinho jovem carregando um bebê no colo, minha esposa, toda indefesa e dependente de toda sorte de cuidados de um papai e uma mamãe, que, “de primeira viagem”, não dormiam para que a pequena cria fosse protegida e tivesse um soninho seguro e saudável.

 

Sim, os papéis se invertem com o passar das décadas. Aquelas criancinhas indefesas, alvo de todos os cuidados dos pais serão justamente aqueles adultos que não mais pedirão aos pais, mas que a eles ofertarão, seja carinho, sejam recursos. Serão adultos que não mais demandarão cuidados, mas que darão atenção. Que não mais implorarão: ”Pai, me dá!?”, mas ao contrário, falarão: “Pai, mãe, vocês estão precisando de algo? O que posso eu fazer por vocês hoje?”. Se a vida transcorrer sem maiores traumas, este será o ciclo natural da existência.

 

Nossa relação espiritual com o Pai Celeste não é muito diferente disto. Em determinado momento nós “nascemos espiritualmente”, por meio da consciência da realidade de um Deus. Por meio do Evangelho aprendemos que este Ser anterior e superior é também nosso Pai Eterno. O Eterno. Desde sempre e após o fim, eternamente nosso Pai. No início desta relação com o Pai Eterno é natural trazermos nossos pedidos, demandas, carências, medos e inseguranças: “Deus me dá isto!”, “Pai, preciso de paz!”, “Senhor, me dá uma namorada?”, “Pai, fica comigo, estou com medo!”. E o Pai Eterno, como um bom pai, cuida, protege, dá, livra, presenteia, cura, alimenta. Enquanto algumas pessoas com pouco relacionamento com o Criador justificam sua distância de Deus dizendo que “não devemos incomodar Deus com bobagens”, Jesus Cristo, ao contrário, nos ensina que devemos sim pedir, e pedir muito, e pedir sempre: “Batei e a porta será aberta. Pedi e será dado. Busque e achará”.

 

Contudo os anos se passam e vamos amadurecendo como pessoas e nosso relacionamento com o Pai Eterno também vai amadurecendo. Nosso crescimento espiritual também chega e de crianças pidonas vamos, pouco a pouco, nos convertendo… Convertendo-nos em adultos na fé. Neste ponto, nosso relacionamento com o Pai do Céu muda um pouco e não raro nos aproximamos do Pai; não tanto para trazer demandas, mas para nos oferecermos para ajudar: “Deus, como posso ser útil hoje?”, “Pai, está precisando de algo?”, Senhor, como posso eu contribuir com a sua obra na terra?”. De pedintes contumazes somos convertidos a ofertantes sinceros, não porque todas as nossas necessidades foram supridas, e não porque não tenhamos mais dilemas existenciais, nem porque extinguiram-se os problemas concretos, mas porque entendemos que nosso Pai já está e sempre estará cuidando de nós, permanecerá nos auxiliando e que Ele já nos presenteou com toda sorte de bênçãos nas regiões celestiais, e que também nos capacitou com ferramentas emocionais as quais são valiosas para manusearmos a vida. A maturidade espiritual vai, pouco a pouco, nos convertendo. Nos convertendo em filhos que querem contribuir com o Pai.

 

A criança não se sente culpada por ser criança, ao contrário, ela não tem consciência do trabalho que dá aos pais e ela pede, chora, reclama e demanda… tudo isto sem qualquer sentimento de culpa. Em nossa relação com o Pai Eterno, podemos sim pedir um colinho para ele, sem culpa ou remorso. Entretanto é esperado que com o passar dos anos, nos ofereçamos para também sermos o “colo de Deus” para as pessoas que Ele coloca em nosso caminho: isto é maturidade espiritual, porque como ensinou o Cristo Redentor: “melhor é dar do que receber”.

 

Pai Eterno, como posso ser útil a você hoje?

 

Luciano Maia, verão em Pipa – RN.

 




CORRA PARA AS MONTANHAS!

Subir montanhas não é tarefa fácil. Se for por lazer, como eu fazia quando era escoteiro, ou ainda quando, a poucos meses resolvi explorar as matas nas redondezas de minha casa, torna-se tarefa prazerosa, apesar de árdua, pois não é um compromisso. Nestes casos a transpiração, a respiração ofegante e até as picadas de insetos são esforços válidos quando atingimos o pico do morro e a vista converte-se num troféu conquistado com gozo. Contudo, se for por obrigação, subir montanha deixa de ser agradável.

 

A conquista de uma bela vista a partir do topo de uma montanha é prazer ímpar. Olhar por cima. Ver ao longe. Enxergar bem distante. Avistar com privilégio o que os que embaixo ficaram, desconhecem. Lembro-me quando poucos anos atrás um casal de amigos passava por grande tribulação nos negócios. Para eles era impossível enxergar um horizonte confortável. Para qualquer ângulo que virassem, tudo estava confuso e turvo; o risco dos negócios se perderem eram evidentes. Fui visita-los no escritório para orar em favor deles, intercedendo para que o Eterno pudesse, por misericórdia, conceder um final não-traumático para aquela crise. Quando comecei a orar, o Espírito Santo me mostrou um balão e dentro estava este casal (logo entrei no balão também). Orei pedindo que Deus os levasse para o alto, dentro daquele balão. Enquanto eu orava em voz alta todos nós íamos imaginando aquele balão subindo, subindo… E eu disse: “Senhor, mostra para eles como que daqui de cima, tudo lá embaixo é tão pequeno… Que eles possam enxergar como o Senhor enxerga os problemas e os dilemas deles… São minúsculos aos olhos do Senhor”. Quem está no alto, tem visão privilegiada. Quem, olha de cima, enxerga mais caminhos e novas possibilidades. Quem está no alto enxerga coisas que quem está no baixo não enxerga, tanto de forma concreta, quanto de forma metafórica. A pessoa que teve mais acesso à educação enxergará a vida por um ângulo mais privilegiado que outro alguém inculto e iletrado. Como disse Monteiro Lobato: “Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê.” Sim, o conhecimento eleva a capacidade de percepção. Povo educado enxerga mais longe.

 

Do pequenino bairro suburbano da interiorana cidade fluminense na qual eu morava quando criança eu avistava um grande e velho moinho abandonado. Era bem longe! Eu vislumbrava aquela imponente construção e pensava que lá já era um outro país e que as corridas de Fórmula 1 televisionadas eram naquele país. Era o máximo que minha vista alcançava. Depois daquele moinho vinham as montanhas e eu tinha por certo que por detrás daqueles morros nada mais existia… Minha tia Terezinha havia pintado um quadro de Jesus orando solitário numa erma paisagem. Aquele quadro pendurado me magnetizava! Assim, por desconhecida razão, eu tinha a certeza que por detrás daqueles morros que carcavam o bairro, nada havia além de Jesus ajoelhado rezando. Para ,mim, o Cristo Redentor morava sozinho atrás das montanhas. Me recordo de um dia, aos 6 anos de idade (acredite ou não), eu parar e contemplar beeeem ao longe… logo dizendo em voz alta para um coleguinha: “Como o mundo é grande!”.

 

Este ano estou hospedado num hotel no centro da cidade (enquanto minha casa é reformada). Minha janela tem vista livre para o Parque da Cidade – apenas uma rua nos separa dali. A primeira coisa que se avista no parque é uma linda e iluminada roda gigante, que abrilhanta a paisagem. Mais ao longe se avista um bairro chamado Águas Claras e, por fim, já lá na linha do horizonte, pode-se ver imponentes prédios do longínquo bairro chamado Gama. E acabou. Depois? Bem, depois do Gama deve ser onde Jesus fica rezando… 😊 Por estes milagres da tecnologia consegui hoje satisfazer minha curiosidade por meio do Google Earth. Vejam, o grande moinho (que para mim já estava noutro país) fica distante em linha reta apenas 500 metros de onde eu o avistava. Exatamente a mesma distância da roda gigante que vejo debaixo de minha janela, que, por sinal, é mais alta que aquele moinho. As “montanhas” que cercavam o bairro de minha infância e que eram o limite de minha visão, são morros que distam nada mais que quilômetro e meio dali. O parque que avisto hoje da janela do hotel tem quatro quilômetros em linha reta. Quem está no alto enxerga coisas que quem está no baixo não enxerga, tanto de forma concreta, quanto de forma metafórica.

 

Jesus passou sua infância na cidade de Nazaré, que fica na região da Galileia. Nazaré fica no topo de um “morro” de 350 metros de altura (conhecido como Monte do Precipício), de tal sorte que a vista de lá é linda! Jesus seguramente foi uma criança que teve uma visão de mundo muito mais ampliada que eu, pois certamente que ele olhava láááá de cima do Monte do Precipício e via loooonge, e com mais razão que eu, deveria pensar: “Como o mundo é grande!”. Este simples evento geográfico é capaz de moldar a mente de uma criança, influenciando como ela enxerga a vida, pois quem vê do alto, vê melhor! A cultura à qual estamos submetidos e até detalhes geográficos podem ampliar ou reduzir nossa cosmovisão. Quando adulto Jesus “desceu o morro” e foi para onde a vista dele alcançava: lá do alto dá para ver as montanhas do Mar da Galileia. Assim, aos 30 anos, Jesus decidiu mudar-se para Cafarnaum, que fica às margens do Mar da Galileia. Ele foi atrás daquilo que sua vista alcançava, daquele seu sonho de criança… Quer saber uma curiosidade? O Mar da Galileia dista de Nazaré (em linha reta) a exata distância que o Gama dista do local de onde eu o observo hoje.

 

Subir montanhas não é tarefa fácil, mas se submeter ao esforço da escalada permitirá enxergar mais longe. A vida sempre reservará grandes montanhas (adversidades) a serem escaladas. Assim, o que temos que fazer é desenvolver a fé, que remove as montanhas que não temos como escalar, e buscar a determinação, para escalar as montanhas da vida, que não se deve transferir para o âmbito da fé. Foi do alto dos montes que Moisés teve suas mais significativas experiências pessoais com Deus, inclusive o fatídico “não”, quando no Monte Tabor Moisés contemplou ao longe a Terra Prometida e o Eterno lhe disse: “Você não vai entrar lá!”. Todavia… Que bela vista Moisés teve lá do alto! Lindo foi o último pôr-do-sol contemplado. “Os que esperam no Senhor subirão com asas, assim como as águias”. Não procrastine a escalada, não se desanime na subida e não tema a altura. Águia medrosa não voa! Enxergar lá do alto é olhar a vida pelas lentes de Deus, isto deixará o problema menor, assim como o Eterno o enxerga, minúsculo, pois “os pensamentos de Deus são mais altos que nossos pensamentos”. Corra para as montanhas da vida!

 

Luciano Maia
Verão de 2023