DEUS JÁ SABE!

Abraão é conhecido pelos cristãos como um herói da fé e lembrado pelos judeus como o grande patriarca, responsável por iniciar uma linhagem selecionada por Deus, o povo de Israel. A Abraão O Senhor fez pedidos e promessas. Quais os pedidos e quais as promessas? Aqui quero primeiro destacar as sete principais promessas que O Senhor fez a Abraão:

  1. “E apareceu o SENHOR a Abrão, e disse: A tua descendência darei esta terra. E edificou ali um altar ao SENHOR, que lhe aparecera.”Gênesis 12.7
  2. “E far-te-ei uma grande nação…”Gênesis 12.2
  3. “… e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome…”Gênesis 12.2
  4. “… e tu serás uma bênção.”Gênesis 12.2
  5. “E abençoarei os que te abençoarem…”Gênesis 12.3
  6. “… e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem…”Gênesis 12.3
  7. “… e em ti serão benditas todas as famílias da terra.”Gênesis 12.3

 

Promessas importantes para um homem que era nômade, ou seja, não possuía terras onde pudesse descansar, viver e prosperar. Mas, para ser alvo de tantas promessas interessantes, o que Abraão fez demais para merecê-las. O que foi pedido a Abraão?

 

Para este homem, inicialmente, não foi pedido nada de extraordinário. Nenhum tipo de culto sacrificial caro ou custoso. Nenhum tipo de promessa por parte de Abraão. A Abraão não se pediu autoflagelação. Nem que subisse escadarias de joelhos, nem que subisse um monte muito alto e lá permanecesse dias em jejum e orações. Para Abraão Deus pediu apenas que vivesse: “Saia da casa de seus pais e vá viver a vida!”. Nos dias atuais muitas pessoas sonham em sair de suas rotinas, muitos desejam ser “nômades digitais” viajando todo o mundo e publicando vídeos no Youtube, exibindo um estilo de vida abraâmico, sem posseções, sem estresses e com poucas contam para pagar. Para Abraão Deus disse: “Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa do seu pai e vá para uma terra que eu lhe mostrarei”. E lá foi ele! Pena que não existiam as redes sociais naquela época, ou nos divertiríamos muito vendo as publicações de seus vídeos e reels.

 

Em determinado momento, anos e anos depois, a jornada dele ficou séria, pois Deus faz a Abraão um segundo pedido: Mate o filho que eu te dei! Hum… Este segundo, e último, pedido de Deus foi bem doloroso. De fato, não queria um sacrifício humano de sangue, mas um sacrifício de alma. Não queria o sangue do filho, mas o coração do pai: “Será que este pai ama mais a mim que a seu próprio filho?”. Sim, a resposta Deus já sabia, mas quem precisava desta resposta era o próprio Abraão. Ele precisava saber quais eram seus valores de vida. Ele precisava saber do que ele era realmente feito, se de fé num projeto de vida, ou se de fé na caminhada. Deus era um projeto de vida, filho era apenas uma consequência da caminhada. O que é mais importante? Ao ser confrontado, Abraão descobriu que suas bases permaneciam as mesas, ou seja, mais importante o projeto, que as consequências do projeto. Ele descobriu que se Deus deu um filho milagrosamente, pode também dar outro, ou até ressucitar. Mas projetos de vida bem delineados é que nos sustentam, mesmo diante de tribulações, dúvidas e angústias.

 

Não foi Deus que conheceu Abraão, mas Abraão que se conheceu a si mesmo. E assim, livre de dúvidas, continuou ele curtindo sua vida, caminhando livremente, cultuando Deus aqui e ali, sem regras, sem angústias, levantando altares lá ou ajoelhando-se acolá.

 

Qual sacrifício Deus pede para você? O mesmo que pediu para Abraão: que curta ao máximo a sua vida, pois ela é bem finita. E, se Ele te pedir algo, por mais estranho ou doloroso que seja, faça! Será apenas uma oportunidade para você se conhecer, pois Deus? Já te conhece muito bem! Talvez o grande desafio não seja fazer algo extraordinário durante nossa vida, mas seja viver curtindo o simples, de forma alegre e regalada, como viveu Abraão, sem aguardar eventos espetaculosos. Cumprir o desafio de viver feliz, e por isso ser chamado de herói da fé.

 

Luciano Maia




GENTILEZA NÃO É COISA DE GENTE LÉSA.

Era um daqueles voos apelidados de “cata-louco”, por zarparem bem de madrugada, antes mesmo dos raios solares darem o ar da graça. Cheguei pontualmente no aeroporto de Congonhas, para uma importante entrevista de trabalho numa multinacional. Já no táxi, por educação, não entrei em órbita no planeta celular, ao contrário, fui conversando frivolidades existenciais com o chofer. No meio da viagem converti-me de um tranquilo passageiro num cliente levemente tenso, uma vez que aquele trânsito paulistano iniciou o seu sagrado ritual de engarrafar-se sem prévio aviso. “Não posso me atrasar!”, disse eu, já tenso. Vira-aqui-vira-ali e chegamos ao destino na pinta. Querendo desembarcar aceleradamente, descobri que eu estava sem qualquer meio de pagamento. Sem dinheiro, nem talão de cheques, cartão bloqueado sei lá porque e pix, naquela época, sequer existia. Gelei! Comecei buscar soluções, quis deixar meu documento como garantia e em meio à minha sofreguidão o taxista disse calmamente: “Não se preocupe! A corrida foi por minha conta! Boa sorte!”. Entre incrédulo, constrangido e agradecido, desci apressadamente, sem acreditar na bondade e gentileza daquela alma, que jamais viria novamente.

 

Fomos conhecer um café na Vila Madalena que pratica o “café compartilhado”, um sistema no qual você toma um café pago por alguém e pode fazer a mesma gentileza: deixar um café pago para outra pessoa. Esse hábito do “café pendente” surgiu por conta do livro The Hanging Coffee, no qual um personagem toma seu café e ao pagar a conta deixa pago dois cafés: o seu e um pendente para o próximo cliente que vier. Lá no Ekoa Café, quase todos clientes praticavam esta gentileza, mas creio muito mais por modismo que por bondade, pois, hoje que o Ekoa Café não mais existe, tal gentileza se foi junto. Se o hábito do “café compartilhado” fosse mais que uma modinha, mas um estilo de vida gentil, certamente que o costume perduraria nos outros cafés do bairro.

 

Tem algumas estórias bíblicas bem lindas sobre gentilezas e hospitalidades, como a descrita em 2º Reis, capítulo quarto, que narra que um dia Eliseu foi até a cidade de Suném, onde morava uma mulher rica. Ela o convidou para uma refeição, e daí em diante, sempre que ia a Suném, Eliseu tomava as suas refeições na casa dela. Ela disse ao seu marido: — Tenho a certeza de que esse homem que vem sempre aqui é um santo homem de Deus. Vamos construir um quarto pequeno na parte de cima da casa e vamos pôr ali uma cama, uma mesa, uma cadeira e uma lamparina. E assim, quando ele vier nos visitar, poderá ficar lá. Certo dia Eliseu voltou a Suném e subiu ao seu quarto para descansar. Ele disse a Geazi, o seu empregado: — Pergunte o que eu posso fazer por ela para pagar todo o trabalho que ela tem tido, cuidando de nós. Mas a mulher respondeu: — Eu tenho tudo o que preciso aqui. Eliseu perguntou a Geazi: — Então o que posso fazer por ela? Ele disse: — Bem, a mulher não tem filhos, e o marido dela é velho. Então ele a chamou e disse: — No ano que vem, por este tempo, você carregará um filho no colo. A mulher exclamou: — Por favor, não minta para mim! O senhor é um homem de Deus! Mas, assim como Eliseu tinha dito, no ano seguinte, no tempo marcado, ela deu à luz um filho. Séculos depois, o autor do livro Hebreus, legitimando esta estória de Eliseu, reiterou:

“Não deixem de receber bem aqueles que vêm à casa de vocês; pois alguns que foram hospitaleiros receberam anjos, sem saber.”

 

Quantas vezes a gentileza de um estranho alegrou nosso dia e a hospitalidade de outros nos livrou de dificuldades! E quantas vezes nós, aos sermos hospitaleiros, pudemos ser ao mesmo tempo abençoados e abençoadores, como disse o britânico, autor de O Senhor dos Anéis, J. R. R. Tolkien:

“Geralmente o hóspede que não foi convidado, acaba sendo a melhor companhia.”

 

E Jesus, será que era hospitaleiro? Existe uma narrativa no evangelho de João que nos conta que João Batista estava com dois dos seus discípulos e quando ele viu Jesus passar, disse: — Aí está o Cordeiro de Deus! Quando os dois discípulos de João Batista ouviram isso, saíram seguindo Jesus. Então Jesus olhou para trás, viu que eles o seguiam e perguntou: — O que é que vocês estão procurando? Eles perguntaram: — Mestre, onde é que o senhor mora? — Venham ver! — disse Jesus. Então eles foram, viram onde Jesus estava morando e ficaram com ele o resto daquele dia! Poxa… Queria eu ter sido um destes hóspedes.

 

Esta semana na casa do Jeferson e da Kelly a gente fez uma leitura do 4º capítulo do livro de Efésios, no qual pudemos ler o seguinte: “Sejam sempre humildes, gentis, pacientes, e tolerem uns aos outros com amor.” Êita! Só coisa boa: humildade, gentileza, paciência e tolerância… Êita lasquera… Só coisa difícil! Porém, necessárias. Que tal treinarmos gentileza verdadeira com estranhos? Meu desafio é parar de criticar os bebedores de café da Vila Madalena e, a partir de hoje, sempre que eu tomar um cafezinho na rua, deixar outro pago para o próximo. Por pura gentileza e amor ao próximo.

 

Luciano Maia, em meio às águas de Março fechando o verão 2023.




O segredo definitivo para uma carreira bem sucedida.

O título deste artigo tem o poder de atrair um grande número de leitores na mesma intensidade que tem de afastar tantos outros. Os primeiros, talvez mais jovens são ávidos por dicas rápidas e ‘segredos’ que irão alçá-los profissionalmente. A outra parte, dos que se afastam deste tipo de assunto, é possivelmente formada pelos mais experientes e decepcionados com promessas fáceis dos muitos gurus outrora reverenciados.

Quero confrontar você a ponto de decepcioná-lo e dizer que não existem segredos, uma mágica ou um atalho que o colocará na posição profissional dos seus sonhos. Não existem, por exemplo, os “Cinco passos para ser um CEO”. As obras dos autores que entregam tais tipos de promessas estão mais próximas da literatura mística e dos contos de fada que de livros de administração ou gestão de recursos humanos.

Contudo, permanece a pergunta intrigante: o que separou os caminhos daqueles dois amigos de faculdade que possuíam a mesma energia de vida, o mesmo conhecimento acadêmico, se graduaram juntos e tinham background familiar semelhantes, sendo que um se tornou um profissional que lidera milhares de pessoas,  e o outro um profissional mediano, que nem sempre consegue pagar integralmente sua fatura do cartão de crédito? Onde o caminho deles se bifurcou?

O alcance de metas pessoais e profissionais e o tornar-se um profissional bem-sucedido está relacionado aos ‘princípios’ e nada relacionado aos ‘segredos’. Se houvesse segredos para se tornar um Diretor Executivo, eles poderiam ser desvendados, escritos num livro e o mundo seria um lugar apenas de Diretores sem ninguém para ser comandado. Esta é uma hipótese absurda! Apesar de serem muitas as variáveis que alavancam ou atrasam uma carreira profissional, são os princípios de um indivíduo que o farão destacar-se da multidão no transcorrer de sua carreira profissional. Tais princípios podem ser definidos como sendo um conjunto de padrões de conduta, pressupostos, fundamentos ou a essência decisória.  E quais deles regem sua vida profissional?

O sistema filosófico popular é pródigo em criar provérbios, ou seja, uma frase que se baseia na sabedoria do senso comum de um determinado povo ou meio cultural. Os orientais são criativos ao formular provérbios e muitos oradores gostam de iniciar seus discursos com ditados chineses, por exemplo. Provérbios são um ótimo exemplo de princípios, pois revelam como determinado povo resolve seus dilemas por meio de sua sabedoria ancestral.

Se o que diferencia o destino da jornada profissional são os princípios que regem a pessoa, quais são os que devemos perseguir e quais os que devemos exorcizar? Na busca desta resposta, lançarei mão de princípios que se expressam por meio de cinco provérbios hebreus milenares. 

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O primeiro é o Princípio da Iniciativa que diz “Quem fica esperando que o vento mude e que o tempo fique bom nunca plantará, nem colherá nada”. Tenha como seu princípio profissional tomar a iniciativa, sempre! O primeiro emprego de minha esposa foi excelente e fruto da minha iniciativa de enviar o currículo dela para uma vaga absolutamente improvável. Ela não queria enviar. Eu secretamente o fiz e ela foi a selecionada. Just do it. Sabe qual é o melhor momento para se plantar uma árvore? Foi há vinte anos… Sabe qual é o segundo melhor momento? Hoje! Seja quem toma a iniciativa dentro do escritório e não se importe com as críticas. Seus frutos aparecerão!

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Vamos partir, então, para o segundo princípio: o da Persistência. Ao analisarmos o provérbio “Semeie de manhã e também de tarde, porque você não sabe se todas as sementes crescerão bem, nem se uma crescerá melhor do que a outra” percebemos que profissionais da área de vendas são essencialmente persistentes e sem a área comercial muitas empresas simplesmente não existiriam. Encare suas dificuldades profissionais como oportunidades de melhoria. Enxergue a bronca do seu gestor como um coaching para seu caráter e busque aprender com seus erros. Encare uma demissão como uma promoção ao novo patamar. Jamais desista dos seus objetivos. Sua vida profissional está mais difícil? Parabéns, você mudou de fase! Seja resiliente, pois só não colhe quem não planta.

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Já no Princípio da Precaução o melhor provérbio que o explica é “Empregue o seu dinheiro em bons negócios e com o tempo você terá o seu lucro. Aplique em negócios diferentes porque você não sabe que crise poderá acontecer no mundo”. Uma pessoa precavida normalmente o é em várias áreas de sua vida e não apenas nas finanças. Para que tenhamos uma ideia do quanto a precaução é importante no ambiente profissional, basta eu citar o desleixo, imprudência, negligência, descuido, inadvertência e a improvidência. Será que um profissional com tais características terá chances de subir na carreira? Claro que não! Ser precavido evita acidentes tanto em nível pessoal quanto profissional. Empresas preferirão promover às lideranças profissionais que sejam econômicas e previdentes.

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E claro que não poderia faltar o Princípio da Alegria. Já dizia o provérbio “Como é agradável a luz do dia, e como é bom ver o sol! Viva alegre durante todos os anos da sua vida”.Tem gente que vive alegre e isso a faz popular dentro da empresa. Se somarmos competência com simpatia temos um resultado imbatível. Você prefere conviver com um colega de trabalho alegre e simpático ou com alguém triste e mal-humorado? Se ambos forem competentes, a escolha recairá naturalmente sobre o alegre. Seja alegre com a luz do dia, com o seu trabalho e com os desafios que ele reserva para você. Todas as portas da vida se abrirão mais facilmente para as pessoas que sabem viver com alegria, dentro ou fora da empresa.

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E por fim um dos mais importantes princípios, o da Humildade. O provérbio hebreu já afirmava “Tudo o que acontece é ilusão”. Não é nada fácil conviver com um colega de trabalho arrogante, soberbo ou excessivamente vaidoso de suas realizações profissionais. Normalmente as portas vão se fechando para este tipo de pessoa no transcorrer de sua carreira. Contudo, o profissional que realiza suas tarefas com muita qualidade e entende que ter batido suas metas não o promove à categoria de “Deus do Olimpo”, sempre buscará desempenho ainda superior no ano seguinte. Ele entende que o prêmio recebido por produtividade, a placa de honra ao mérito ou o bônus anual, são apenas ilusões passageiras. Profissionais competentes, porém humildes, conquistam a simpatia de todos e são pessoas inspiradoras, líderes de si mesmos e, por isso, aptos a serem líderes de muitos.

Princípios apontam para o caráter. Portanto, no lugar de alimentar ressentimentos em relação aos colegas que alcançam sucesso profissional devemos buscar aprender os princípios que regem a vida dos profissionais que receberam reconhecimento.

 

Luciano Maia




TELEBRASÍLIA, SUA LINDA!

Para tornar-se um cidadão de respeito na Brasília dos anos 80 havia duas premissas: ter um telefone e assinar o jornal Correio Braziliense. Numa época que internet não existia sequer na imaginação dos escritores de ficção científica e os vizinhos da cidade de vinte e poucos anos não se conheciam, o consolidador de toda e qualquer informação era o jornal: fossem eventos culturais, programação de cinema, shows, novidades, tudo, tudo esteva lá, no Correio Braziliense e quem dele se prescindia, nada sabia. Telefone! ah! O telefone! Como ser achado? Como ser convidado? Como um jovem poderia ter vida social sem aqueles sete números, os quais eram escritos com caneta num pedaço de papel e entregue para a moça: “Me liga!” Sem telefone não se paquerava! Não se existia! E, telefone, eu não tinha! Era caríssimo. Coisa de família rica. Uma linha telefônica era preço de carro. Eu estava feliz em meu apartamento novo, mas me faltava um modo de conexão com o planeta Brasília.

 

Certo dia lí uma matéria no Correio Braziliense que me contou em letras garrafais o que os vizinhos não contavam: “Atenção: Telebrasília lança plano de expansão para Asa Norte.” Corri até a agência da antiga companhia telefônica de Brasília e descobri duas coisas terríveis. Uma que o preço era realmente proibitivo: literalmente preço de um carro. E dois, que as filas eram intermináveis… Os interessados madrugavam na fila para apanharem as senhas que chegavam até 500 pessoas por dia. Como eu trabalhava dia inteiro, não tinha como ficar ali na fila esperando minha vez. Cheguei a ir lá na Telebrasília umas duas vezes durante aquela única semana do plano de expansão e nestas vezes eu puxava a senha e lá vinha um número gigantesco, já na quarta centena e não poderia ficar ali aguardando, pois o dever me chamava.

 

Na sexta-feira, último dia de vendas, eu já estava resignado que não conseguiria fazer minha inscrição e, mesmo que por milagre conseguisse, como eu pagaria as prestações da linha telefônica? A prestação do apartamento já consumia mais da metade dos meus proventos. Sim, aquele era um sonho grande demais… um sonho distante! Eu teria que me resignar em ser um cidadão invisível ainda por mais algum tempo. Porém, fui para casa na hora do almoço daquela sexta-feira, dia 28 de outubro de 1988, e, triste, orei a derradeira oração pedindo pelo telefone: “Senhor, sei que é difícil. Seria um milagre, porém, me conceda esta bênção. Eu quero um telefone. Amém!”. Como eu já tinha aprendido que oração funciona com ação, mesmo que meio desacreditado e com uma fé raquítica e sonolenta, fui caminhando até a Telebrasília. Sem ânimo, puxei minha senha e lá veio o número 482. Olhei no painel da parede que exibia o número 330. “Moça, por favor, que horas chegará o 482?”. Ela respondeu dando de ombros: “Sei não, mas lá para as quatro e meia, cinco horas…” Eu não poderia esperar pois o trabalho me aguardava. Ainda assim, fiquei olhando para aquele painel por alguns segundos, desconsolado, fantasiando que ele poderia milagrosamente estampar o número 482. Então, de repente, me chega uma senhorinha na minha frente. Pequena, magrinha, roupas bem simples, levemente corcunda e me diz: “Moço, eu não poderei aguardar mais. Tenho outro compromisso. Fique com a minha senha para você”. Peguei, agradeci e demorei segundos para olhar o número no papel. Quando, finalmente olho para a senha que acabara de ganhar da senhorinha, vejo no papel o número 331. Olho para trás e não vejo mais a senhorinha. Olho para o painel e juntamente com um estridente ding-dong aparece em vermelho o milagre: senha 331, mesa 11. Meu olhos se arregalaram, o coração veio à boca, a adrenalina acelerou meus batimentos, corri, sentei na mesa onze e quis iniciar uma conversa com a atendente, que, como uma máquina alucinada perguntava-me rapidamente, quase gritando, sem dar tempo de eu raciocinar direito: “Nome completo, endereço, CPF, identidade, filiação…”. Ela era ágil, pois a fila tinha que andar. E eu, eu não sabia se queria comprar mesmo o telefone pois estava com medo de não conseguir pagar as prestações. Mas não dava tempo nem para pensar. Era pegar ou largar. Quando dei por mim, já estava de pé, lívido e com um contrato na mão, assinado, que dizia: vinte e quatro prestações de Cz$ 22.029,00 (equivalentes a 7,46 OTN cada). Alegria e medo: “Terei um telefone, mas será que darei conta de pagar?”.

 

Dois anos se passaram e paguei a última prestação sem qualquer dor, pois, mesmo com os reajustes, a inflação era tão grande que as prestações tornaram-se insignificantes. Este relato me faz lembrar o Salmo de Davi, de nº 37, cuja poesia diz assim:

Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais ele fará. Descansa no SENHOR e espera nele, pois ele é a tua salvação. Os que esperam no SENHOR possuirão a terra”.

Dez anos se passaram e já num contexto de vida completamente diferente, eu me encontrava num ano financeiramente difícil, com dívidas em minha empresa e não via meios de saná-las. Soube por meio do Correio Braziliense que, como parte do processo de privatização da Telebrasília, as linhas telefônicas tinham sido convertidas em ações da companhia. Fui até a agência da Telebrasília para ver quantas ações fazia jus aquela linha adquirida dez anos antes e pela segunda vez fui surpreendido, pois com a venda das ações da Telebrasília, o dinheiro foi suficiente para quitar toda a dívida da empresa, que, lembro-me bem, era exatamente o preço de um carro zero. O mesmo telefone foi uma dupla benção em minha vida. Sim, que a sua felicidade esteja no Senhor! Ele lhe dará o que o seu coração deseja. Ponha a sua vida nas mãos do Senhor, confie nele, e ele o ajudará.

 

Luciano Maia, Março de 2023.