COMO ANDA SUA REPUTAÇÃO?

Me lembro de um desenho animado da Walt Disney que assisti na infância cujo roteiro mostrava de
forma bem-humorada a transformação do afável [e até bobalhão] Pateta num personagem
rabugento e violento. A radical transformação do Pateta ocorria simplesmente por ele entrar em seu
automóvel para enfrentar o trânsito. Esta animação foi produzida em 1950, quando o tráfego urbano
(mesmo o norte-americano) estava distante dos atuais níveis. De personagem incapaz de pisar num
inseto quando fora do carro, ao enfrentar o primeiro contratempo no trânsito Pateta vocifera e xinga,
enquanto surgem presas diabólicos… Teria o roteirista apenas exposto as transformações que nosso
humor sofre quando submetido a situações estressantes, ou teria ele (talvez sem perceber) ido mais
além e escancarado que não somos em nossas vidas privadas a mesma pessoa que somos
publicamente?

A pergunta que Dinho Outo-Preto faz no refrão da música Quatro Vezes Você é: “O que você queria
fazer se ninguém pudesse te ver?”

Estarmos dentro de um carro, com vidros escurecidos, temperatura estabilizada e som ambiente com
nossa trilha sonora preferida talvez nos dê a sensação de estarmos dentro de uma bolha, isolados do
mudo real: invisíveis. Talvez nestas condições eu deixe de ser eu e passe a sentir-me disfarçado de
placa de carro, irreconhecível. Será que basta este frágil esconderijo para que eu me permita “ser eu
mesmo”, manifestando meu verdadeiro eu?

Certa vez vi uma moça elegante dentro de elegante carro, parados no semáforo vermelho. Ela com
vidros fechados, certamente ouvindo pelo rádio sua emissora predileta, com um olhar distante, fixo
no horizonte, divagando em seus pensamentos… Alheia aos pedestres que a rodeavam, ele retirava
do nariz melecas e mais melecas, numa fúria higiênica, ao mesmo tempo que sanitária: cômico. Ela
sequer via as pessoas ao redor do carro, rindo da cena bizarra. Ela estava protegida, fora do mundo
real, dentro da sua bolha de vidro e metal e, creio, se sentia tão isolada que confortavelmente fazia
aquilo que fazemos apenas na intimidade do banheiro, sem que ninguém possa nos flagrar. “O que
você queria fazer se ninguém pudesse te ver?”

Após envolver-se numa encrenca juvenil, fui chamar a atenção e educar meu filho de 18 anos. Na
conversa, surpreendi-me quando ele já sabia a diferença entre caráter e reputação. De forma simples
e direta me respondeu: “Reputação é como as pessoas nos veem. É manter as aparências. Mantemos
comportamento social aceitável para proteger nossa reputação. Já o caráter é fruto dos nossos
valores, é o que somos por dentro e que influencia nosso comportamento, mesmo que ninguém
possa ver ou descobrir o que estamos fazendo sozinhos.”

De fato, existem pessoas de mau-caráter que gozam de excelente reputação, pois via marketing
pessoal conseguem esconder seus “mal feitos”. Há, contudo, os que possuem caráter ilibado, porém,
por fruto de inveja, maldade ou política, tornam-se vítimas de falsos testemunhos ou campanhas,
denegrindo suas reputações perante a opinião dos incautos. Outras vezes, pessoas de ótimo caráter
mancham suas reputações ao tecerem comentários inadequados ou sendo mal interpretados em
suas intenções. Também acontece.

Deus está muito interessado no meu caráter. Jesus, não é apenas o Salvador da alma [que aponta
para uma outra vida] mas é meu modelo de caráter [o que aponta para esta existência]. Olhando
para a biografia de Cristo descubro como devo e como não devo agir ou reagir. Numa situação
hipotética, se Deus eliminasse o livre-arbítrio do homem e implantasse “na marra” o caráter de Cristo
nas pessoas, teríamos sociedades perfeitas – sem crimes e qualquer tipo de injustiças. Mas Deus não
fará isto. Temos entendido que o protocolo de Deus é dar ao ser humano um modelo de caráter:
Cristo, expresso no Evangelho, para que este modelo sirva de inspiração para a humanidade.
Quanto mais nosso caráter se aproximar do de Cristo (e quanto mais pessoas forem influenciadas e
aderirem a este modelo) menos injusta será a sociedade. Justiça social e todo tipo de paz são
consequência do caráter de Cristo implantado na alma humana. Transformação coletiva inicia na
transformação individual. Paz começa em mim. Justiça começa comigo. Um modelo replicável
conforme for influenciando outros indivíduos.

Vários indivíduos com caráter de Cristo possuem o potencial de construir uma sociedade harmoniosa.
Possivelmente não há um programa de governo consiga instaurar harmonia social por decreto. Amor
não se instaura por decreto! Esta hipotética sociedade harmoniosa – fruto do caráter de Cristo
implantada nos indivíduos – é aquilo que poderíamos chamar de “On Reino de Deus”. “Venha a nós
o Seu Reino…”
Deus está neste negócio! É interesse Dele implantar o Seu Reino na terra, mas Ele não o fará por
decreto, mas por influência. Para cumprir Seu propósito de implantar o Seu Reino na terra, Ele
precisará primeiro de implantar o caráter de Cristo em mim, nem que isto custe minha reputação…
Deus não salvou a reputação de Jesus… Mas mesmo sendo ele homem de caráter ilibado, teve sua
reputação estragada por fofocas dos religiosos: “Crucifique-o”. Deus está interessado que eu reflita
o caráter de Cristo, mesmo que isto custe minha reputação… E isto me dá medo.

Venha, Senhor, o Seu Reino… E seja feita a sua vontade, aqui na terra, assim como ela já tem sido
feita no céu. Para isso, não me deixe sequer cair em tentação (pois não resistirei a ela), mas livra-me
do mal… Que assim seja!

Luciano Maia