DE PERTO NINGÉM É NORMAL.

Todos somos assombrados privadamente pelo medo de sermos assustadoramente esquisitos.
Nossa cultura tentou projetar uma ideia de uma identidade organizada, equilibrada e educada como a forma de ser padrão das pessoas. Isso nos estimula a não termos paciência e nos aborrecermos conosco mesmos quando não correspondemos às expectativas.

Queremos gritar que precisamos parar, nos recompor e deixar de sermos tão fracos e tão esquisitos. Mas, na verdade, ninguém é muito normal. As únicas pessoas que podemos considerar equivocadamente “normais” são as que ainda não conhecemos muito bem. De perto, somos todos gloriosamente confusos e excêntricos. Isso não é motivo de vergonha, apenas a confirmação de nossa humanidade básica compartilhada.

Em vez de esperar que sejamos normais no sentido de sermos calmos, coerentes e racionais, nos
envergonharmos quando isso não acontece, é muito melhor reconhecermos a onipresença e a pura
normalidade da loucura, do desvario e do alarme em cada alma humana. Somos todos fascinantemente
peculiares.

Uma coisa que Jesus Cristo faz muito bem é nos colocar em contato com a nossa humanidade. Quando ele decide deixar de nos chamar de servos e passa a nos chamar de ‘amigos’, ele está nos ensinando o exercício mais difícil que tem, o de abrirmos nossas intimidades para Ele. Mais que serviçais, Jesus quer um relacionamento pessoal, de amigo, com cada um de nós.

Ser amigo de Deus não é fácil, mas é uma meta. Se Deus já sabe tudo o que eu fiz, faço e farei, talvez eu possa presumir que não preciso contar nada de minha vida íntima para ele. Contudo, este ‘contar a própria vida’ para Jesus tem um efeito psicoterapêutico espetacular. Quem ganha é quem conta. “Quem canta, seus males espanta”. Mas quem conta, seus males exorciza. Muitos pagam caro para que um terapeuta ou um psicólogo possam os ouvir e dizer: “Ahã!” Sem desmerecer a importância destes profissionais, posso afirmar que conversar com Deus, francamente e com voz audível, tem um poder de cura assombroso. Isto é a oração que cura e resolve. Oração terapêutica. Nestas conversas que a gente vai reconhecendo nossos defeitos (aquilo que a teologia chama de pecado), e vamos achando os meios de cura da alma e de libertação do estilo de vida.

Nelson Rodrigues, sempre lúcido e irônico, disse: “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava.” Temo que ele esteja cheio de razão… Talvez a única pessoa incapaz de se ruborizar com nossos segredos seja Deus mesmo. Se assim o é, porque não rasgarmos o verbo com ele? Batermos longos papos sobre nossas misérias, medos, inseguranças e malvadezas?
A cura da nossa alma e dos nossos medos (o que alguns poderiam chamar de libertação do pecado) passa necessariamente por esta “terapia divina”, ou seja, sentarmos no divã de Deus e rasgarmos o coração e o
verbo. Caetano Veloso empresta a frase que virou título deste artigo, ou seja, “de perto, ninguém é normal”.

Seja anormal, mas com Deus! Afinal, ele veio para os doentes. Não para os sãos.

Luciano Maia




QUAL FOI SUA ÚLTIMA VEZ?

Qual a última vez que você abraçou seu filho sonâmbulo, quando ele ainda insistia a achegar-se nas madrugadas, interrompendo seu leito conjugal?

 

Qual a última vez que você viu aquela sua grande amiga do ensino médio, cujos pais mudaram de cidade e hoje você não mais a encontra nas redes sociais?

 

Qual foi a última vez que você conversou com aquele seu amigo, que foi transferido para outro estado, e o tempo encarregou-se de afastar vocês?

 

Qual a última vez que você saiu com seus amigos de juventude e chegou tarde da madrugada, feliz, porém sob os protestos de seus pais?

 

Qual foi a última vez que seu filho se sentou em seu colo? Ou melhor, você se lembra qual foi a última vez que você se sentou no colo de sua mãe? Se lá atrás eu soubesse que aquela seria a última vez, o colinho derradeiro, certamente que eu teria aproveitado aquele colo quente muito mais.

 

Qual foi a última vez que você andou de bicicleta com a turma de juventude lá do seu bairro? E aquele primo, que foi seu cúmplice nalgumas aventuras confidenciais? Hoje ele parece mais um estranho…

 

Mesmo sabendo que nada se repete do mesmo jeito e que, portanto, temos que aproveitar cada dia como se fosse único, além disto, cada dia é também a última vez de alguma coisa. O que torna os dias e os pequenos rituais cotidianos ainda mais sagrados.

 

Quando chegou a hora, Jesus sentou-se à mesa com os apóstolos e disse para eles: “Como tenho ardentemente desejado comer esta Ceia da Páscoa com vocês, antes do meu sofrimento! Pois eu digo a vocês que nunca comerei esta Ceia de novo, até que eu coma o verdadeiro jantar que haverá no Reino de Deus”. Então Jesus pegou o cálice de vinho e deu graças.

 

Jesus tinha a clara noção da “última vez”, e queria aproveitá-la muito bem. Jesus queria curtir cada segundo com seus amigos discípulos. Ele desejava estar em volta da mesa com eles e sabia que seria a derradeira Ceia. Certamente que ele soube aproveitar cada momento, cada último olhar, cada gole de vinho, sentindo-o bem em suas papilas gustativas. Cheirou o pão, sentiu o aroma do trigo, como se fosse a última vez, pois sabia: seria mesmo a última refeição de sua vida.

 

Tenho feito este exercício com muita frequência já há alguns meses. Ponho o garfo na boca e sinto, detalhadamente, o sabor, os aromas e a deglutição. Sento à mesa e observo, cada detalhe e cada movimento, pois podem ser derradeiros. Nos últimos meses, quando abraço alguém e digo “até logo!”, tenho abraçado com gosto, com vontade mesmo, e cuido em olhar nos olhos, sentir o cheiro, dar e receber carinho sem medida, pois, pode ser a última vez…

 

Um pode adoecer, outro pode mudar, outro pode aborrecer-se e brigar, outro ainda pode falecer… Não sabemos de nada. Resta-nos aproveitar cada olhar e cada abraço, como se derradeiro fosse.

 

Qual foi sua última vez?

Luciano Maia



O DIA EM QUE DEUS FALOU COMIGO POR SOBRE AS NUVENS

Dedico esse texto a todos aqueles que, como eu, trabalham muito e arduamente, baseados na crença de que esse é o melhor e único caminho para uma vida estável e confortável. Acordei em um hotel muito simples na cidade de Orlando nos Estados Unidos. Hotel de trabalhadores locais, condizente com o orçamento que tínhamos para o último dia da nossa viagem familiar. Na cama ao lado, meu genro
ainda dormia enquanto minha filha trocava em silêncio a fralda da minha netinha de quatro meses que dava gritinhos de alegria ao ver sua mamãe no início da manhã.

Após alguns preciosos minutos de preguiça, levantamos todos e nos preparamos para irmos ao aeroporto – Luciana, minha filha, e seu esposo Stevan, nos levariam para embarcarmos no voo de volta ao Brasil. Voo simples, com conexão na cidade do Panamá, comprado com milhas como fruto da melhor barganha possível para a viagem de cunho familiar – precisava ir visitar meus pais americanos, os quais envelhecem e adoecem rapidamente após trinta anos do primeiro dia em que nos encontramos em meio às alegrias do intercâmbio cultural. Após o café da manhã de bagles com cream cheese e waffles cheias de caramelo regados a café ralo, saímos alegres e gratos para o aeroporto. Ao chegar, nos despedimos da netinha delícia, agradecemos e abraçamos calorosamente os filhos que ficaram nos Estados Unidos por mais um dia e nos dirigimos para a fila do check in. Duas malas apenas, bem diferente das muitas vezes em que retornamos para casa repletos de compras. Na bagagem de mão, o novo capacete de hipismo do nosso filho caçula. Prioridade para nós, item mais caro adquirido durante a nossa breve e simples
viagem.

Check in, detector de metais, portão de embarque e éramos os primeiros da fila para entrar no avião após os passageiros preferenciais e os felizardos da Primeira Classe. Entramos na aeronave, passamos rapidamente pela Primeira Classe e, ao chegarmos na cabine econômica, meu esposo voltou e disse:
– Os assentos 4A e 4B são ali na frente.
Ao que respondi:
– Na Primeira Classe?
E ele respondeu prontamente:
– Sim!

Tiramos rapidamente os cartões de embarque do bolso do paletó dele e confirmamos que nós éramos os passageiros daquelas duas poltronas grandes, confortáveis e vazias à nossa frente na Primeira Classe. Um tanto quanto confusos, sentamos felizes e logo começamos a usufruir das delícias que o dinheiro pode comprar. Foi quando, imediatamente, me lembrei do verso bíblico que havia ‘saltado’ na tela do meu celular hoje cedo, ao desligar o alarme: “Vocês não terão de fazer nada. O Senhor lutará por vocês”. (Êxodo 14:14, Bíblia)

Fiz a relação instantânea do versículo com aqueles assentos na Primeira Classe – não pagamos por esse bilhete e não pedimos upgrade. Esses assentos especiais foram simplesmente atribuídos durante o check in eletrônico que havia sido realizado na noite anterior. Detalhe: um deles apenas, atribuído ao meu esposo, que logo em seguida alterou o meu assento sem dificuldade alguma, para que eu ficasse ao seu lado. Tudo isso sem sabermos que se tratava de um assento na Primeira Classe. E, após uma hora de vôo, toalhinha quente, uma deliciosa taça de vinho, serviço impecável, uma bandeja deliciosa à minha frente, Deus falou comigo por sobre as nuvens e me levou às muitas lágrimas ao dizer:

– “Viu? Sou Eu quem faço tudo por você! Faço o que Eu quero, sem qualquer esforço seu. Sou Eu quem controla a sua vida e providencia o que você precisa e quem lhe dá também o que não precisa, apesar e independente do seu trabalho. Sou Eu quem entrega provisão. Sou Eu quem lhe dá ou não lhe dá. Tudo está na minha mão e sob o meu controle, e não sob o seu”.

Após o recado quase audível de Deus, enquanto eu olhava ao longe por sobre as nuvens vistas da pequenina janela do avião, tive a certeza de que não são os meus talentos que serão capazes de me tornar próspera ou minha capacidade de gestão e controle que serão responsáveis por uma aposentadoria tranquila. Não! Será a confiança no Deus que tudo vê, que tudo controla e que tem tudo calculado para cada um de nós. Lição aprendida há quinze anos, porém esquecida e negligenciada por mim nos últimos quatro ou cinco. Agora, é claro que a matemática não vale para todos. Vale para mim. Vale para aqueles que entendem e creem que há alguém acima, que há um propósito em todas as coisas e algumas lições a serem aprendidas ao longo da nossa jornada aqui na Terra. Para quem pode comprar um bilhete aéreo na Primeira Classe, isso talvez não faça sentido.

Para quem não crê na provisão divina também não. Mas para mim, que passei os últimos dois anos segurando por um fio, juntamente com meu esposo, a corda fina da saúde financeira da nossa casa, faz todo o sentido. Para quem tem em si o gene maldito do controle sobre todas as coisas faz total sentido!
E assim, reaprendo que Deus cuida de mim. Que Deus dá ou não dá e isso não muda a minha relação com a existência. Que posso morrer de trabalhar e isso não me garante geladeira cheia. Revivi hoje a aula em que aprendi que tudo está contido no mais perfeito e absoluto controle do meu Pai que está atento aos meus esforços, mas não trabalha com mérito ou recompensa, mas sim com graça e misericórdia. Aula importante! Lição esquecida em meio à correria da sobrevivência; infelizmente. Lição que me prepara para a próxima parte do ano, me dizendo que posso e devo confiar e descansar enquanto faço
a minha parte, que é trabalhar duro, com dedicação e responsabilidade, viajando apertada nos assentos de uma aeronave qualquer entre uma cidade e outra.

Em toda a minha vida adulta, o conselho de Jesus mais difícil a ser seguido sempre foi aquele que diz que “não devo me preocupar com o dia de amanhã, nem ficar ansiosa com o que terei para comer ou para beber”. Aquele lembrete Dele para “olhar para as flores do campo que não fazem roupas para si mesmo e são lindas, ou para os passarinhos que não plantam nada e mesmo assim têm o que comer” é sempre tão desafiador para mim, que sempre acho que tenho que fazer por merecer. Contudo, bem-vindos à matemática do Deus Vivo – sem lógica, sem recompensa, viva e surpreendente. Injusta para
alguns, milagrosa para outros.

Seja bem-vinda de volta, Simone, ao descanso do Deus Altíssimo!

Simone Maia, Orlando > Panama City – 01 de junho de 2018.




VOCÊ ACREDITA EM MILAGRES?

Irracionalidade não é para todos. Ter a certeza de que vamos receber as coisas que estamos
esperando e ter a prova, mesmo sem comprovação, de que existem coisas que não podemos
ver, não é algo racional, mas é a própria irracionalidade cristã. Fé é irracional, ilógica,
improvável… É mais que esperança. É convicção. Se Jesus insistiu tanto para que seus
discípulos tivessem fé, é porque, de fato, eles não a tinham. De fato, nós não a temos!
Queremos ter, mas vacilamos… Por vezes ela surge forte, bela, impávida! Como um colosso!
Outrora ela gagueja, se amarela e vaza… Vaza como óleo pelos dedos das mãos. Vaza como
lágrimas pelos olhos angustiados e temerosos. “Não temas” é a ordem, o ensino, a orientação
mor. “Não temas” é a mais repetida das instruções do Mestre. Não temas e tenha fé! Mas…
meu Deus, como? Ante tantas dores e incertezas. Como não temer? Como manter a fé
inabalável?

 

Meu braço esquerdo se perdeu. Adormeceu… Formigava e eu já não podia movimentá-lo.
Era uma dor lancinante e constante, a qual durante o dia dava para aguentar pois as muitas
tarefas tiravam minha concentração da dor, mas, no frio e no silêncio das madrugadas eu
tinha que me refugiar na sala para chorar solitária e silenciosamente, e não acordar a casa
que recuperava as energias para um novo dia de labuta. Contra todos os prognósticos, o
milagre que eu aguardava aconteceu: uma consulta com o melhor hospital do aparelho
motor da América Latina, o Sarah. Após semanas de exames dos mais diversos, uma junta
médica me chamou para apresentar o diagnóstico. Eu numa sala fria, com cinco médicos
apresentando um Power Point com todos os meus exames, vários desenhos, radiografias
diversas, me explicando de forma didática cada ponto e cada etapa. Por fim, me disseram:
“A boa notícia é que identificamos e diagnosticamos seu caso com precisão. A má notícia é
que não tem cura ainda, nem com cirurgia”. Saindo dali, desolado, e com receituário com
medicamentos para dor, encontrei na recepção do Hospital Sarah a Soninha com seus dois
lindos filhos, ainda adolescentes, contei meu caso e ela disse: “Estaremos orando por você
todos os dias!”

 

Os meses seguintes não foram diferentes, pois a vida não podia parar. Dirigia o carro
normalmente, porém passava a marcha com a mão esquerda, já que a direita permanecia
grudada ao corpo, doendo e com limitação de movimentos. Volta e meia saía da cama de
madrugada para chorar escondido. Sorria para todos, não reclamava nem da vida, nem da
enfermidade e mantinha a esperança de Deus ter misericórdia de mim e me curar
milagrosamente.

 

Um belo dia dou um grito: “Simooneee!” e assustado disse: “Estou mexendo meu braço! E
nem me lembro quando isso começou”. Tentei puxar pela memória, e nada! Não me
lembrava em qual dia da semana, ou do mês, eu tinha começado a usar o braço, sem ver,
nem perceber. De repente, meu braço estava lá: Vivo! Louvei a Deus, não pelo que Ele fez,
mas pelo que Ele é. A pontinha do dedo permaneceu dormente por muitos e muitos anos
ainda e eu louvei mais ainda a Deus por siso, pois esta ponta de dedo dormente é o que todas
as manhãs me relembra da bondade de Deus e mantém vívida a lembrança do passado e da
bênção. Irracional! Irracional fé! A fé é a certeza de que vamos receber as coisas que
esperamos e a prova de que existem coisas que não podemos ver.

 

Em minha vida pude receber e entregar muitos milagres. Quantas vezes pude ser testemunha
ocular de uma cura milagrosa… E quantas outras vezes a oração não foi atendida, o milagre
não recebido e a fé? Abalada? Não, pois a fé não é em coisas, nem em pessoas, a fé é a
certeza de que não chegamos no final… pois no final, tudo vai dar certo! Nem todas minhas
orações foram atendidas como eu queria. Fé? Fé também é aceitar a vida que Deus nos der…

 

Veja que linda poesia:
“Se você não aceita meu conselho, eu te respeito!
Você resolveu seguir, ir atrás, com a cara e a coragem.
Só que você sai em desvantagem se você não tem fé.
Te mostro um trecho, uma passagem de um livro antigo, pra te provar e mostrar que a
vida é linda: Dura, sofrida, carente em qualquer continente, mas boa de se viver em
qualquer lugar!
Volte a brilhar, volte a brilhar!
Um vinho, um pão e uma reza!
Uma lua e um sol!
Sua vida é portas abertas”

 

Ouça esta poesia acima musicada no vídeo que está no final do texto: um lindo exemplo das
pedras clamando! Volte a brilhar! Volte a brilhar, com uma vida cheia de “fé, esperança e
amor”!

 

Luciano Maia, num momento que estou precisando de fé.

Esta abaixo é a música dona da poesia acima: