“Todos queremos ser especiais! Nisto somos todos iguais”, disse Carlos Drummond de Andrade.
Esta afirmação aponta para uma carência essencial que a todos acompanha: gostaríamos de ser o filho especial, ser o profissional de destaque, ou até ser reconhecido pelo esforço de não sermos notados. Mas, de alguma forma gostaríamos de ser especiais….
Mesmo querendo ser especiais ou diferentes, todos temos ao menos um ponto em comum: ricos e pobres, cristãos, muçulmanos ou budistas, de sábios eruditos a idiotas iletrados, todos igualmente, morreremos… Salomão chega a ironizar esta situação, cruelmente dizendo que os seres humanos, que se julgam tão superiores, são, na verdade, iguais aos animais, pois, tanto este quanto aquele, morrem…
Caso o ciclo existencial transcorra sem grandes novidades, a morte será precedida de um estado pouco desejado: a velhice. A velhice é um problema para a humanidade! Poucos estão realmente preparados ou dispostos para o crepúsculo da vida. Muito já se sonhou com o “elixir da juventude”: medicamentos, alimentos, plantas, cirurgias, estilo de vida e outros elementos que possam retardar o fato a ser consumado: a velhice.
Gostei da resposta do mundialmente celebrado cirurgião Ivo Pitangui, quando perguntado como ele se sente sendo o responsável por deixar tantas pessoas mais jovens. Sua frase foi curta: “Eu não deixo ninguém mais jovem. Apenas deixo as pessoas velhas com aparência de mais novas – mas elas continuam velhas”. Pitangui tem a exata noção do seu trabalho: ele é um “maquiador”.
O nome Olacyr de Moraes certamente não será do conhecimento da maioria dos leitores deste artigo. Ele foi o Rei da Soja no Brasil dos anos 80 e tornou-se o “Primeiro Bilionário Brasileiro Mais Jovem”. Sua história de incansável trabalho e empreendedorismo é linda. Ao fim dos anos 80, com 50 e poucos anos e finalmente bilionário, resolveu “curtir a grana” e tornou-se um frequentador contumaz de festinhas badaladas e eventos sociais, sempre acompanhado de lindas jovens. Depois, do agronegócio, enveredou-se para a mineração e perdeu muito, muito dinheiro. Hoje ele é um velhinho de 83 anos, ainda rico, que não dispensa fotos com as ‘suas’ jovens, porém não pode mais curtir toda sua grana, já que a enfermidade não o deixa sair de casa, nem pras festinhas badaladas, e nem pros restaurantes, já que sua dieta é restritíssima.
Incluo abaixo este artigo de Max Gehringer, que me fez lembrar Olacyr de Moraes:
“Li em uma revista um artigo no qual jovens executivos davam receitas simples e práticas para qualquer um ficar rico.
Aprendi, por exemplo, que se tivesse simplesmente deixado de tomar um cafezinho por dia, nos últimos quarenta anos, teria economizado 30mil reais. Se tivesse deixado de comer uma pizza por mês, 12 mil reais. E assim por diante.
Impressionado, peguei um papel e comecei a fazer contas. Para minha surpresa, descobri que hoje poderia estar milionário. Bastaria não ter tomado as caipirinhas que tomei, não ter feito muitas viagens que fiz, não ter comprado algumas das roupas caras que comprei.
Principalmente, não ter desperdiçado meu dinheiro em itens supérfluos e descartáveis.
Ao concluir os cálculos, percebi que hoje poderia ter quase 500 mil dólares na minha conta bancária.
É claro que não tenho este dinheiro. Mas, se tivesse, sabe o que este dinheiro me permitiria fazer? Viajar, comprar roupas caras, me esbaldar em itens supérfluos e descartáveis, comer todas as pizzas que quisesse e tomar cafezinhos à vontade.
Por isso, me sinto muito feliz em ser pobre. Gastei meu dinheiro por prazer e com prazer.
E recomendo aos jovens e brilhantes executivos que façam a mesma coisa que fiz. Caso contrário, chegarão aos 61 anos com uma montanha de dinheiro, mas sem ter vivido a vida.”
Se por um lado significante parcela de pessoas gostariam de eliminar ou retardar os efeitos da velhice (rugas, óculos, barriga, careca… bengalas, cansaço, desânimo, cirurgias, remédios, fraldas geriátricas…) por outro, poucos querem abrir mão dos benefícios da velhice (sabedoria, conhecimento, erudição, experiências…). Carlos Drummond de Andrade disse: “Há duas épocas na vida em que a felicidade está numa caixa de bombons: infância e velhice”. Alguém já disse que os velhos e as crianças se parecem muito. Eu creio. Ao menos ambos necessitam de mais atenção. Na juventude, pensamos em nós, em como extrair prazer da vida. Na maturidade, pensamos nos descendentes, em como proporcionar uma vida com mais chances de felicidade e sucesso para os filhos. Na velhice, voltamos a pensar em nós, em como torna-la menos pesada e onerosa e em como ainda extrair alguns prazeres da vida.
No capítulo 15 do Gênesis, o Criador fala o seguinte para Abraão: “Você terá uma velhice abençoada, morrerá em paz, será sepultado e encontrará seus antepassados no mundo dos mortos”. Incrível como Deus mira nos pontos certos:
1. Velhice abençoada: aponta para saúde, prosperidade, descendência encaminhada…
2. Morrerá em paz: aponta para duas coisas: 1º) que no fim deste filme a gente morre. Todos morreremos… e 2º) aponta também para uma morte sem dores, sem doenças, sem intrigas familiares, mas… Tranquilamente… Em paz!
3. Encontrará seus antepassados: aponta para o futuro, renovação das esperanças. O “fim” não é o fim, mas uma passagem, um recomeço. Reencontro!
Um ponto que me chama muito a atenção nos textos bíblicos do Pentateuco é como que muitas promessas divinas aos personagens estão focadas na descendência e na morte destes. Os grandes consolos de Deus estão em duas categorias:
- DESCENDÊNCIA: Dizer que os descendentes serão abençoados, ou terão sucesso, ou serão numerosos.
- VELHICE: Dizer que a velhice será com saúde e com paz; com direito a um sepultamento honroso e que haverá vida após a morte, onde se encontra os antepassados.
Deus consola o homem na promessa da continuidade existencial: rever quem já não mais existe e ter certeza que o que se construiu não se perderá.
De fato, o ser humano não está mesmo preparado para o fim abrupto. Se com a morte física tudo se extinguisse, a existência deixaria de fazer sentido, não apenas sentido metafísico, espiritual… Mas também sentido racional: pra que viver? Sem esperanças a vida fica dura demais!
A matéria prima da religião é a esperança. Esperança de futuro melhor, esperança que a morte é uma nova vida, esperança que vou rever quem amei no passado, esperança de paz… Com a esperança a existência tem mais sentido, menos peso e é mais feliz. Eu não suportaria viver sem esperanças.
A velhice é inexorável, por isso, quem quiser ser feliz, tem de desenvolver a habilidade de lidar com este estado de vida cada ano mais perto, queiramos ou não. Platão foi pessimista com relação ao envelhecimento e afirmou que “Deve-se temer a velhice, porque ela nunca vem só. Bengalas são prova de idade e não de prudência”. Já o Nobel Gabriel Garcia Marquez (autor de “Cem Anos de Solidão”) compartilhou uma experiência pessoal: “O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão”. Ambas as citações nos fazem pensar.
Talvez Deus esteja certo. Talvez o grande consolo dos velhos seja a esperança. A esperança de que somos especiais? A esperança que nossa descendência será bem sucedida e nosso nome não morrerá precocemente na história?
Esperança… Acho que maturidade boa é aquela cheia de esperança…
Talvez a esperança que as saudades de nossos avós e pais serão debeladas num encontro cheio de gargalhadas e abraços com os antepassados, e assim, eternamente contaremos e ouviremos estórias, ouviremos boas músicas e dançaremos de alma leve…
Luciano Maia
Outono’ 2014.
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