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GENTILEZA NÃO É COISA DE GENTE LÉSA.

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Era um daqueles voos apelidados de “cata-louco”, por zarparem bem de madrugada, antes mesmo dos raios solares darem o ar da graça. Cheguei pontualmente no aeroporto de Congonhas, para uma importante entrevista de trabalho numa multinacional. Já no táxi, por educação, não entrei em órbita no planeta celular, ao contrário, fui conversando frivolidades existenciais com o chofer. No meio da viagem converti-me de um tranquilo passageiro num cliente levemente tenso, uma vez que aquele trânsito paulistano iniciou o seu sagrado ritual de engarrafar-se sem prévio aviso. “Não posso me atrasar!”, disse eu, já tenso. Vira-aqui-vira-ali e chegamos ao destino na pinta. Querendo desembarcar aceleradamente, descobri que eu estava sem qualquer meio de pagamento. Sem dinheiro, nem talão de cheques, cartão bloqueado sei lá porque e pix, naquela época, sequer existia. Gelei! Comecei buscar soluções, quis deixar meu documento como garantia e em meio à minha sofreguidão o taxista disse calmamente: “Não se preocupe! A corrida foi por minha conta! Boa sorte!”. Entre incrédulo, constrangido e agradecido, desci apressadamente, sem acreditar na bondade e gentileza daquela alma, que jamais viria novamente.

 

Fomos conhecer um café na Vila Madalena que pratica o “café compartilhado”, um sistema no qual você toma um café pago por alguém e pode fazer a mesma gentileza: deixar um café pago para outra pessoa. Esse hábito do “café pendente” surgiu por conta do livro The Hanging Coffee, no qual um personagem toma seu café e ao pagar a conta deixa pago dois cafés: o seu e um pendente para o próximo cliente que vier. Lá no Ekoa Café, quase todos clientes praticavam esta gentileza, mas creio muito mais por modismo que por bondade, pois, hoje que o Ekoa Café não mais existe, tal gentileza se foi junto. Se o hábito do “café compartilhado” fosse mais que uma modinha, mas um estilo de vida gentil, certamente que o costume perduraria nos outros cafés do bairro.

 

Tem algumas estórias bíblicas bem lindas sobre gentilezas e hospitalidades, como a descrita em 2º Reis, capítulo quarto, que narra que um dia Eliseu foi até a cidade de Suném, onde morava uma mulher rica. Ela o convidou para uma refeição, e daí em diante, sempre que ia a Suném, Eliseu tomava as suas refeições na casa dela. Ela disse ao seu marido: — Tenho a certeza de que esse homem que vem sempre aqui é um santo homem de Deus. Vamos construir um quarto pequeno na parte de cima da casa e vamos pôr ali uma cama, uma mesa, uma cadeira e uma lamparina. E assim, quando ele vier nos visitar, poderá ficar lá. Certo dia Eliseu voltou a Suném e subiu ao seu quarto para descansar. Ele disse a Geazi, o seu empregado: — Pergunte o que eu posso fazer por ela para pagar todo o trabalho que ela tem tido, cuidando de nós. Mas a mulher respondeu: — Eu tenho tudo o que preciso aqui. Eliseu perguntou a Geazi: — Então o que posso fazer por ela? Ele disse: — Bem, a mulher não tem filhos, e o marido dela é velho. Então ele a chamou e disse: — No ano que vem, por este tempo, você carregará um filho no colo. A mulher exclamou: — Por favor, não minta para mim! O senhor é um homem de Deus! Mas, assim como Eliseu tinha dito, no ano seguinte, no tempo marcado, ela deu à luz um filho. Séculos depois, o autor do livro Hebreus, legitimando esta estória de Eliseu, reiterou:

“Não deixem de receber bem aqueles que vêm à casa de vocês; pois alguns que foram hospitaleiros receberam anjos, sem saber.”

 

Quantas vezes a gentileza de um estranho alegrou nosso dia e a hospitalidade de outros nos livrou de dificuldades! E quantas vezes nós, aos sermos hospitaleiros, pudemos ser ao mesmo tempo abençoados e abençoadores, como disse o britânico, autor de O Senhor dos Anéis, J. R. R. Tolkien:

“Geralmente o hóspede que não foi convidado, acaba sendo a melhor companhia.”

 

E Jesus, será que era hospitaleiro? Existe uma narrativa no evangelho de João que nos conta que João Batista estava com dois dos seus discípulos e quando ele viu Jesus passar, disse: — Aí está o Cordeiro de Deus! Quando os dois discípulos de João Batista ouviram isso, saíram seguindo Jesus. Então Jesus olhou para trás, viu que eles o seguiam e perguntou: — O que é que vocês estão procurando? Eles perguntaram: — Mestre, onde é que o senhor mora? — Venham ver! — disse Jesus. Então eles foram, viram onde Jesus estava morando e ficaram com ele o resto daquele dia! Poxa… Queria eu ter sido um destes hóspedes.

 

Esta semana na casa do Jeferson e da Kelly a gente fez uma leitura do 4º capítulo do livro de Efésios, no qual pudemos ler o seguinte: “Sejam sempre humildes, gentis, pacientes, e tolerem uns aos outros com amor.” Êita! Só coisa boa: humildade, gentileza, paciência e tolerância… Êita lasquera… Só coisa difícil! Porém, necessárias. Que tal treinarmos gentileza verdadeira com estranhos? Meu desafio é parar de criticar os bebedores de café da Vila Madalena e, a partir de hoje, sempre que eu tomar um cafezinho na rua, deixar outro pago para o próximo. Por pura gentileza e amor ao próximo.

 

Luciano Maia, em meio às águas de Março fechando o verão 2023.

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