TELEBRASÍLIA, SUA LINDA!

Para tornar-se um cidadão de respeito na Brasília dos anos 80 havia duas premissas: ter um telefone e assinar o jornal Correio Braziliense. Numa época que internet não existia sequer na imaginação dos escritores de ficção científica e os vizinhos da cidade de vinte e poucos anos não se conheciam, o consolidador de toda e qualquer informação era o jornal: fossem eventos culturais, programação de cinema, shows, novidades, tudo, tudo esteva lá, no Correio Braziliense e quem dele se prescindia, nada sabia. Telefone! ah! O telefone! Como ser achado? Como ser convidado? Como um jovem poderia ter vida social sem aqueles sete números, os quais eram escritos com caneta num pedaço de papel e entregue para a moça: “Me liga!” Sem telefone não se paquerava! Não se existia! E, telefone, eu não tinha! Era caríssimo. Coisa de família rica. Uma linha telefônica era preço de carro. Eu estava feliz em meu apartamento novo, mas me faltava um modo de conexão com o planeta Brasília.

 

Certo dia lí uma matéria no Correio Braziliense que me contou em letras garrafais o que os vizinhos não contavam: “Atenção: Telebrasília lança plano de expansão para Asa Norte.” Corri até a agência da antiga companhia telefônica de Brasília e descobri duas coisas terríveis. Uma que o preço era realmente proibitivo: literalmente preço de um carro. E dois, que as filas eram intermináveis… Os interessados madrugavam na fila para apanharem as senhas que chegavam até 500 pessoas por dia. Como eu trabalhava dia inteiro, não tinha como ficar ali na fila esperando minha vez. Cheguei a ir lá na Telebrasília umas duas vezes durante aquela única semana do plano de expansão e nestas vezes eu puxava a senha e lá vinha um número gigantesco, já na quarta centena e não poderia ficar ali aguardando, pois o dever me chamava.

 

Na sexta-feira, último dia de vendas, eu já estava resignado que não conseguiria fazer minha inscrição e, mesmo que por milagre conseguisse, como eu pagaria as prestações da linha telefônica? A prestação do apartamento já consumia mais da metade dos meus proventos. Sim, aquele era um sonho grande demais… um sonho distante! Eu teria que me resignar em ser um cidadão invisível ainda por mais algum tempo. Porém, fui para casa na hora do almoço daquela sexta-feira, dia 28 de outubro de 1988, e, triste, orei a derradeira oração pedindo pelo telefone: “Senhor, sei que é difícil. Seria um milagre, porém, me conceda esta bênção. Eu quero um telefone. Amém!”. Como eu já tinha aprendido que oração funciona com ação, mesmo que meio desacreditado e com uma fé raquítica e sonolenta, fui caminhando até a Telebrasília. Sem ânimo, puxei minha senha e lá veio o número 482. Olhei no painel da parede que exibia o número 330. “Moça, por favor, que horas chegará o 482?”. Ela respondeu dando de ombros: “Sei não, mas lá para as quatro e meia, cinco horas…” Eu não poderia esperar pois o trabalho me aguardava. Ainda assim, fiquei olhando para aquele painel por alguns segundos, desconsolado, fantasiando que ele poderia milagrosamente estampar o número 482. Então, de repente, me chega uma senhorinha na minha frente. Pequena, magrinha, roupas bem simples, levemente corcunda e me diz: “Moço, eu não poderei aguardar mais. Tenho outro compromisso. Fique com a minha senha para você”. Peguei, agradeci e demorei segundos para olhar o número no papel. Quando, finalmente olho para a senha que acabara de ganhar da senhorinha, vejo no papel o número 331. Olho para trás e não vejo mais a senhorinha. Olho para o painel e juntamente com um estridente ding-dong aparece em vermelho o milagre: senha 331, mesa 11. Meu olhos se arregalaram, o coração veio à boca, a adrenalina acelerou meus batimentos, corri, sentei na mesa onze e quis iniciar uma conversa com a atendente, que, como uma máquina alucinada perguntava-me rapidamente, quase gritando, sem dar tempo de eu raciocinar direito: “Nome completo, endereço, CPF, identidade, filiação…”. Ela era ágil, pois a fila tinha que andar. E eu, eu não sabia se queria comprar mesmo o telefone pois estava com medo de não conseguir pagar as prestações. Mas não dava tempo nem para pensar. Era pegar ou largar. Quando dei por mim, já estava de pé, lívido e com um contrato na mão, assinado, que dizia: vinte e quatro prestações de Cz$ 22.029,00 (equivalentes a 7,46 OTN cada). Alegria e medo: “Terei um telefone, mas será que darei conta de pagar?”.

 

Dois anos se passaram e paguei a última prestação sem qualquer dor, pois, mesmo com os reajustes, a inflação era tão grande que as prestações tornaram-se insignificantes. Este relato me faz lembrar o Salmo de Davi, de nº 37, cuja poesia diz assim:

Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais ele fará. Descansa no SENHOR e espera nele, pois ele é a tua salvação. Os que esperam no SENHOR possuirão a terra”.

Dez anos se passaram e já num contexto de vida completamente diferente, eu me encontrava num ano financeiramente difícil, com dívidas em minha empresa e não via meios de saná-las. Soube por meio do Correio Braziliense que, como parte do processo de privatização da Telebrasília, as linhas telefônicas tinham sido convertidas em ações da companhia. Fui até a agência da Telebrasília para ver quantas ações fazia jus aquela linha adquirida dez anos antes e pela segunda vez fui surpreendido, pois com a venda das ações da Telebrasília, o dinheiro foi suficiente para quitar toda a dívida da empresa, que, lembro-me bem, era exatamente o preço de um carro zero. O mesmo telefone foi uma dupla benção em minha vida. Sim, que a sua felicidade esteja no Senhor! Ele lhe dará o que o seu coração deseja. Ponha a sua vida nas mãos do Senhor, confie nele, e ele o ajudará.

 

Luciano Maia, Março de 2023.




PAI, MÉ DÁ?!

Há poucas semanas hospedamos os pais de minha esposa que vieram passar uns dias conosco e celebrar o aniversário da bisnetinha deles. Foi um tempo bem divertido. Contudo, observei bem o quão pre-ocupada e cuidadosa minha esposa ficou nas preparações desta visita: ela queria que tudo desse certo na estada dos pais dela.  Reservou um hotel bem confortável, pertinho da gente. Fez uma programação de passeios, preparou o apartamento com antecedência para recebe-los carinhosamente, comprou flores naturais para decorá-lo, frutas e snacks para a copa e praticamente bloqueou sua agenda profissional, para que pudesse ficar à disposição dos pais e ao mesmo tempo curtindo eles.

 

Se voltarmos ao tempo algumas décadas para observar a dinâmica da mesma família, a cena seria justamente inversa. Minha esposa, ainda criança e adolescente, é quem era o alvo de todos estes cuidados, carinhos e recursos. Os pais dela sempre foram progenitores muito cuidadosos e carinhosos. Nunca economizaram para prover a melhor educação formal que o salário de classe média deles pudesse alcançar: as melhores escolas, cursos de idiomas, viagens culturais, passeios e mimos… Se voltarmos ainda mais no tempo veremos o casalzinho jovem carregando um bebê no colo, minha esposa, toda indefesa e dependente de toda sorte de cuidados de um papai e uma mamãe, que, “de primeira viagem”, não dormiam para que a pequena cria fosse protegida e tivesse um soninho seguro e saudável.

 

Sim, os papéis se invertem com o passar das décadas. Aquelas criancinhas indefesas, alvo de todos os cuidados dos pais serão justamente aqueles adultos que não mais pedirão aos pais, mas que a eles ofertarão, seja carinho, sejam recursos. Serão adultos que não mais demandarão cuidados, mas que darão atenção. Que não mais implorarão: ”Pai, me dá!?”, mas ao contrário, falarão: “Pai, mãe, vocês estão precisando de algo? O que posso eu fazer por vocês hoje?”. Se a vida transcorrer sem maiores traumas, este será o ciclo natural da existência.

 

Nossa relação espiritual com o Pai Celeste não é muito diferente disto. Em determinado momento nós “nascemos espiritualmente”, por meio da consciência da realidade de um Deus. Por meio do Evangelho aprendemos que este Ser anterior e superior é também nosso Pai Eterno. O Eterno. Desde sempre e após o fim, eternamente nosso Pai. No início desta relação com o Pai Eterno é natural trazermos nossos pedidos, demandas, carências, medos e inseguranças: “Deus me dá isto!”, “Pai, preciso de paz!”, “Senhor, me dá uma namorada?”, “Pai, fica comigo, estou com medo!”. E o Pai Eterno, como um bom pai, cuida, protege, dá, livra, presenteia, cura, alimenta. Enquanto algumas pessoas com pouco relacionamento com o Criador justificam sua distância de Deus dizendo que “não devemos incomodar Deus com bobagens”, Jesus Cristo, ao contrário, nos ensina que devemos sim pedir, e pedir muito, e pedir sempre: “Batei e a porta será aberta. Pedi e será dado. Busque e achará”.

 

Contudo os anos se passam e vamos amadurecendo como pessoas e nosso relacionamento com o Pai Eterno também vai amadurecendo. Nosso crescimento espiritual também chega e de crianças pidonas vamos, pouco a pouco, nos convertendo… Convertendo-nos em adultos na fé. Neste ponto, nosso relacionamento com o Pai do Céu muda um pouco e não raro nos aproximamos do Pai; não tanto para trazer demandas, mas para nos oferecermos para ajudar: “Deus, como posso ser útil hoje?”, “Pai, está precisando de algo?”, Senhor, como posso eu contribuir com a sua obra na terra?”. De pedintes contumazes somos convertidos a ofertantes sinceros, não porque todas as nossas necessidades foram supridas, e não porque não tenhamos mais dilemas existenciais, nem porque extinguiram-se os problemas concretos, mas porque entendemos que nosso Pai já está e sempre estará cuidando de nós, permanecerá nos auxiliando e que Ele já nos presenteou com toda sorte de bênçãos nas regiões celestiais, e que também nos capacitou com ferramentas emocionais as quais são valiosas para manusearmos a vida. A maturidade espiritual vai, pouco a pouco, nos convertendo. Nos convertendo em filhos que querem contribuir com o Pai.

 

A criança não se sente culpada por ser criança, ao contrário, ela não tem consciência do trabalho que dá aos pais e ela pede, chora, reclama e demanda… tudo isto sem qualquer sentimento de culpa. Em nossa relação com o Pai Eterno, podemos sim pedir um colinho para ele, sem culpa ou remorso. Entretanto é esperado que com o passar dos anos, nos ofereçamos para também sermos o “colo de Deus” para as pessoas que Ele coloca em nosso caminho: isto é maturidade espiritual, porque como ensinou o Cristo Redentor: “melhor é dar do que receber”.

 

Pai Eterno, como posso ser útil a você hoje?

 

Luciano Maia, verão em Pipa – RN.

 




CORRA PARA AS MONTANHAS!

Subir montanhas não é tarefa fácil. Se for por lazer, como eu fazia quando era escoteiro, ou ainda quando, a poucos meses resolvi explorar as matas nas redondezas de minha casa, torna-se tarefa prazerosa, apesar de árdua, pois não é um compromisso. Nestes casos a transpiração, a respiração ofegante e até as picadas de insetos são esforços válidos quando atingimos o pico do morro e a vista converte-se num troféu conquistado com gozo. Contudo, se for por obrigação, subir montanha deixa de ser agradável.

 

A conquista de uma bela vista a partir do topo de uma montanha é prazer ímpar. Olhar por cima. Ver ao longe. Enxergar bem distante. Avistar com privilégio o que os que embaixo ficaram, desconhecem. Lembro-me quando poucos anos atrás um casal de amigos passava por grande tribulação nos negócios. Para eles era impossível enxergar um horizonte confortável. Para qualquer ângulo que virassem, tudo estava confuso e turvo; o risco dos negócios se perderem eram evidentes. Fui visita-los no escritório para orar em favor deles, intercedendo para que o Eterno pudesse, por misericórdia, conceder um final não-traumático para aquela crise. Quando comecei a orar, o Espírito Santo me mostrou um balão e dentro estava este casal (logo entrei no balão também). Orei pedindo que Deus os levasse para o alto, dentro daquele balão. Enquanto eu orava em voz alta todos nós íamos imaginando aquele balão subindo, subindo… E eu disse: “Senhor, mostra para eles como que daqui de cima, tudo lá embaixo é tão pequeno… Que eles possam enxergar como o Senhor enxerga os problemas e os dilemas deles… São minúsculos aos olhos do Senhor”. Quem está no alto, tem visão privilegiada. Quem, olha de cima, enxerga mais caminhos e novas possibilidades. Quem está no alto enxerga coisas que quem está no baixo não enxerga, tanto de forma concreta, quanto de forma metafórica. A pessoa que teve mais acesso à educação enxergará a vida por um ângulo mais privilegiado que outro alguém inculto e iletrado. Como disse Monteiro Lobato: “Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê.” Sim, o conhecimento eleva a capacidade de percepção. Povo educado enxerga mais longe.

 

Do pequenino bairro suburbano da interiorana cidade fluminense na qual eu morava quando criança eu avistava um grande e velho moinho abandonado. Era bem longe! Eu vislumbrava aquela imponente construção e pensava que lá já era um outro país e que as corridas de Fórmula 1 televisionadas eram naquele país. Era o máximo que minha vista alcançava. Depois daquele moinho vinham as montanhas e eu tinha por certo que por detrás daqueles morros nada mais existia… Minha tia Terezinha havia pintado um quadro de Jesus orando solitário numa erma paisagem. Aquele quadro pendurado me magnetizava! Assim, por desconhecida razão, eu tinha a certeza que por detrás daqueles morros que carcavam o bairro, nada havia além de Jesus ajoelhado rezando. Para ,mim, o Cristo Redentor morava sozinho atrás das montanhas. Me recordo de um dia, aos 6 anos de idade (acredite ou não), eu parar e contemplar beeeem ao longe… logo dizendo em voz alta para um coleguinha: “Como o mundo é grande!”.

 

Este ano estou hospedado num hotel no centro da cidade (enquanto minha casa é reformada). Minha janela tem vista livre para o Parque da Cidade – apenas uma rua nos separa dali. A primeira coisa que se avista no parque é uma linda e iluminada roda gigante, que abrilhanta a paisagem. Mais ao longe se avista um bairro chamado Águas Claras e, por fim, já lá na linha do horizonte, pode-se ver imponentes prédios do longínquo bairro chamado Gama. E acabou. Depois? Bem, depois do Gama deve ser onde Jesus fica rezando… 😊 Por estes milagres da tecnologia consegui hoje satisfazer minha curiosidade por meio do Google Earth. Vejam, o grande moinho (que para mim já estava noutro país) fica distante em linha reta apenas 500 metros de onde eu o avistava. Exatamente a mesma distância da roda gigante que vejo debaixo de minha janela, que, por sinal, é mais alta que aquele moinho. As “montanhas” que cercavam o bairro de minha infância e que eram o limite de minha visão, são morros que distam nada mais que quilômetro e meio dali. O parque que avisto hoje da janela do hotel tem quatro quilômetros em linha reta. Quem está no alto enxerga coisas que quem está no baixo não enxerga, tanto de forma concreta, quanto de forma metafórica.

 

Jesus passou sua infância na cidade de Nazaré, que fica na região da Galileia. Nazaré fica no topo de um “morro” de 350 metros de altura (conhecido como Monte do Precipício), de tal sorte que a vista de lá é linda! Jesus seguramente foi uma criança que teve uma visão de mundo muito mais ampliada que eu, pois certamente que ele olhava láááá de cima do Monte do Precipício e via loooonge, e com mais razão que eu, deveria pensar: “Como o mundo é grande!”. Este simples evento geográfico é capaz de moldar a mente de uma criança, influenciando como ela enxerga a vida, pois quem vê do alto, vê melhor! A cultura à qual estamos submetidos e até detalhes geográficos podem ampliar ou reduzir nossa cosmovisão. Quando adulto Jesus “desceu o morro” e foi para onde a vista dele alcançava: lá do alto dá para ver as montanhas do Mar da Galileia. Assim, aos 30 anos, Jesus decidiu mudar-se para Cafarnaum, que fica às margens do Mar da Galileia. Ele foi atrás daquilo que sua vista alcançava, daquele seu sonho de criança… Quer saber uma curiosidade? O Mar da Galileia dista de Nazaré (em linha reta) a exata distância que o Gama dista do local de onde eu o observo hoje.

 

Subir montanhas não é tarefa fácil, mas se submeter ao esforço da escalada permitirá enxergar mais longe. A vida sempre reservará grandes montanhas (adversidades) a serem escaladas. Assim, o que temos que fazer é desenvolver a fé, que remove as montanhas que não temos como escalar, e buscar a determinação, para escalar as montanhas da vida, que não se deve transferir para o âmbito da fé. Foi do alto dos montes que Moisés teve suas mais significativas experiências pessoais com Deus, inclusive o fatídico “não”, quando no Monte Tabor Moisés contemplou ao longe a Terra Prometida e o Eterno lhe disse: “Você não vai entrar lá!”. Todavia… Que bela vista Moisés teve lá do alto! Lindo foi o último pôr-do-sol contemplado. “Os que esperam no Senhor subirão com asas, assim como as águias”. Não procrastine a escalada, não se desanime na subida e não tema a altura. Águia medrosa não voa! Enxergar lá do alto é olhar a vida pelas lentes de Deus, isto deixará o problema menor, assim como o Eterno o enxerga, minúsculo, pois “os pensamentos de Deus são mais altos que nossos pensamentos”. Corra para as montanhas da vida!

 

Luciano Maia
Verão de 2023



“E o bambú?”

O leste da Ásia é também conhecido como a Civilização do Bambu, não apenas porque o bambu tem sido amplamente utilizado na vida cotidiana, mas também porque suas qualidades simbólicas foram descritas e celebradas por centenas de anos na filosofia do Taoísmo.

 

O bambu é classificado como grama e não como árvore, mas é alto e forte o suficiente para criar bosques e florestas. Ao contrário de um tronco de árvore, os caules do bambu são ocos, mas seu vazio interior é a fonte de seu vigor. Ele se dobra em tempestades, às vezes quase até o chão, mas depois volta com toda força, resiliente. Devemos, diz Lao Tse, “tornar-nos como o bambu”.

 

O maior pintor de bambu foi o poeta, artista e filósofo taoísta Zheng Xie da dinastia Qing. Diz-se que Zheng Xie pintou 800 quadros de florestas de bambu, vendo neles um modelo perfeito de como uma pessoa sábia pode se comportar. Ao lado de um desenho de bambu com caneta e tinta, ele escreveu em caligrafia elegante: “Agarre-se à montanha, crie raízes em um penhasco quebrado, fique mais forte após as tribulações e resista ao vento forte de todas as direções”. Era dirigida ao bambu, mas significa, claro, para todos nós.

 

Quando nos vemos diante de um futuro difícil, é fácil ficar deprimido e não ter esperança. Mas uma das escolas de filosofia, o estoicismo, tem umpouquinho para nos ajudar a lidar com os tempos difíceis. Os estoicos amavam e desfrutavam a vida, e faziam isso sendo realistas sobre a imprevisibilidade da vida. Isso é o que significa ser resiliente.  É a nossa habilidade – real ou percebida – de superar ou nos recuperar de situações difíceis, de dar a volta por cima dos problemas e entrar nos eixos outra vez.

 

Resiliência não é deixar para lá. Nós simplesmente não conseguimos fazer isso depois de muitos eventos da vida – e nem deveríamos querer. Resiliência é sobre seguir em frente, aceitando a perda ou a mudança. Mudança é o que mais estamos vivendo neste momento.

 

Nossa mentalidade – a forma como vemos ou abordamos o mundo e os problemas da vida – frequentemente determina nosso nível de resiliência e, portanto, como lidamos com mudanças e perdas. Desenvolver a resiliência frequentemente requer mudar pensamentos e comportamentos habituais: fazer mais o que aumenta a resiliência e menos o que a diminui.

 

Um passo essencial é assumir a responsabilidade sem sermos duros demais com nós mesmos: sentir-nos mal sobre algo pode nos motivar a corrigir a situação ou a mudar para melhor, enquanto sermos duros demais pode, na verdade, impedir-nos de agir.

 

E Jesus, o que ele nos ensina sobre somo lidar com a vida? Bem, Jesus não cansa de dizer “não andem ansiosos com o dia de amanhã, pois Deus tem cuidado de nós”.

 

Jesus não promete que irá mudar o ambiente em que vivemos, mas ele tenta nos ensinar a mudarmos a nós mesmos, buscando uma perspectiva de esperança e de segurança, não porque o mundo é bom, ou porque as pessoas vão mudar, mas porque temos um pai que cuida. Portanto, ser resiliente, no contexto do Evangelho, é ter esperança, e a esperança é a filha da fé.

“Portanto agora ficam estas três coisas: a fé, a esperança e o amor.” 1Co 13.

 

Resiliência é um tipo de esperança. Assim como otimismo pode ser encarado como um tipo de fé. E como disse Jorge Paulo Lemann: “Nunca vi um pessimista bem sucedido, nem nos negócios e nem na vida”.

 

Não quero dizer que devamos ser ingênuos em relação à vida e às pessoas. Aliás, Jesus não nos orienta a sermos ingênuos, pois ele diz “sejam prudentes como as serpentes”. Mas a questão é que viver não é para amadores… E Jesus, o profissional da vida, nos deixou esta lição da esperança e da fé, a qual Lao-Tsé parafraseou assim: “Torne-se como o bambú.”

 




O MANJERICÃO E A ABUNDÂNCIA

“O paradigma da escassez afirma que não existe o suficiente pra todo mundo. Esse pensamento dá origem ao medo e a disputa por dinheiro e bens materiais. Uma mentalidade de abundância, por outro lado, diz que sempre existem novas chances e oportunidades e que há mais do que o suficiente para que todos possam ter uma vida plena e próspera”.

 

Por Simone Maia

 

O manjericão é uma das minhas ervas de tempero prediletas. A começar pelo molho pesto, passando pela salada até chegar ao molho de tomate, muitas coisas que faço levam manjericão. Quando comecei a gostar de usar, não achava facilmente para comprar, mas minha amiga Anna Maistri, então minha vizinha e dona da melhor receita de pesto que eu conheço, sempre tinha manjericão da horta dela para dividir comigo.

 

A vida me levou para São Paulo e quando me trouxe de volta para Brasília, recebi visita da minha amiga Anna na casa para onde nos mudamos – a casa nova era longe da casa da Anna. Então, eis que ela chega com um vasinho plantado com uma bela muda de manjericão diretamente da horta dela para o meu novo jardim! Uma muda linda e preciosa daquele manjericão grandão, cheiroso, delicioso e especial que faz um montão de pesto!

 

Sempre cuidei com carinho do meu pé de manjericão, mas ele nunca prosperou tanto quanto o manjericão da Anna. Anna sempre tinha manjericão e eu não! Seis anos se passaram entre ter manjericão na horta para usar a hora que quisesse e não tê-lo. Até o dia em que os pés de manjericão acabaram completamente e eu pedi à Anna uma nova muda. E eis que ela respondeu: “Também estou sem. Aconteceu alguma coisa na horta e acabou todo o manjericão”.

 

Dois anos se passaram e eu me mudei de casa mais uma vez! Preparando para mudar, me dei conta que certa vez eu havia feito um arranjo com alguns galhos secos cheios de sementes do manjericão da Anna. Eu havia esquecido. Que alegria! E parti para uma nova empreitada de plantio de manjericão. Eu e Luciano semeamos em um “berçário” e logo logo as mudinhas  verdinhas começaram a surgir. Mas…. a alegria durou poucos dias, pois as mudinhas estavam enfraquecidas e não tinham forças para continuar crescendo.

 

Em uma tentativa desesperada de salvar minhas últimas mudas, transplantei todas elas meio que de qualquer jeito para uma pequena horta que meu pai e minha netinha haviam feito no novo jardim. E torci!

 

Em meio a tudo isso, ganhei de presente do meu novo vizinho um pezinho de manjericão. Ao me entregar o vaso, o Sr. Antônio recomendou: “sempre corte as flores para ele crescer”! Com todo carinho, plantamos o novo pezinho de manjericão ao lado da horta, que já estava cheia de orégano, alecrim, hortelã e as mudinhas do manjericão da Anna que lutavam para prosperar. E qual não foi minha surpresa quando percebi que tudo estava crescendo e ficando lindo! Todos os temperos, inclusive os dois tipos de manjericão – o da Anna e o do Sr. Antônio!

 

Um belo dia, festejei: “Eba! Já dá para usar o manjericão”!

 

Contudo, antes de começar a tirar as folhas tive o cuidado de assistir a um pequeno vídeo na internet sobre como tirar as folhas do manjericão para não estragar o pé. Peguei uma tesoura e parti para a horta para ser feliz! Associei a técnica da extração recém aprendida à poda regular das flores e assisti aos meus pés de manjericão crescendo e crescendo e crescendo  até o ponto de ter para mim e para dividir.

 

E um belo dia, enquanto voltava da horta com as mãos cheias de manjericão exalando o mais delicioso dos perfumes, me peguei refletindo sobre a lógica absolutamente maluca dos novos pés de manjericão: quanto mais eu corto, quanto mais eu podo, quanto mais eu uso, quanto mais eu divido, mais manjericão eu tenho! Para quem é agricultor, minha descoberta não traz novidade alguma. Mas para a pessoa urbana que sou, a lógica do crescimento do meu manjericão me remete a algo muito legal: o manjericão segue a lei da abundância. Se eu achar que o manjericão vai acabar e por isso eu ficar economizando e tirando poucas folhinhas de cada vez (lógica da escassez), o pé vai enfraquecer e minguar até acabar. Mas, se eu cortar as pontas e tirar bastante para usar, terei muitas flores, novas sementes, e o pé cresce a ponto de tombar de tão grande e pesado! Foi o que aconteceu aqui na minha horta.

 

Que milagre maluco! Que lógica linda para se aplicada a tudo na vida: a certeza de que algo não vai acabar gera um ciclo lindo de abundância – quanto mais eu compartilho, quanto mais eu distribuo com as pessoas, quanto mais eu uso os recursos que tenho, mais me fortaleço e para ser canal de bênção na vida das pessoas – canal de carinho, de amor, de cuidado e até de grana, quando necessário.

 

Enquanto eu “economizei” meu manjericão para que nunca me faltasse, tive pezinhos fracos que minguavam até a morte. E agora que aprendi a podar e a usar “em abundância” e sem medo de que ele acabe, ele cresce lindo, viçoso e exuberante.

 

Vou me lembrar sempre dos meus pés de manjericão quando um pensamento de escassez qualquer cruzar minha mente e, inadvertidamente, eu pensar que algo vai me faltar. Vou me lembrar que meu Pai do Céu é um Deus de abundância e de provisão material, espiritual e emocional.  E que você possa lembrar disso também! Que a nossa matemática seja tão inversa quanto a matemática celestial!

 

Simone Maia




Está todo mundo querendo ser curado?

Por Murillo Leal

 

Não importa como esteja sua vida. A grande ganância do ser humano é por cura. Todos querem ser curados da maneira como encaram a sua própria noção de felicidade. E precisamos de cura no seu sentido mais convencional, temos que recuperar quase que constantemente o significado das coisas.

Olhamos para a cura como se ela fosse apenas resultado de um fator externo a acontecer, mas quando tratamos as nossas paranoias, cuidamos dos nossos caprichos, medicamos as nossas manias, remediamos as nossas obstinações e recuperamos o sentido das coisas, acabamos restabelecendo uma nova realidade de existência apontada para uma vida com mais sentido, responsabilidade, significado e liberdade.

Não estou falando de uma vida sem ameaças, mas na possibilidade real de convivência saudável e contínua com riscos, mesmo que na total eminência de perigos que coloquem coisas importantes da vida a perder. É possível ter uma vida equilibrada ainda que haja possibilidades de ruínas futuras mais pra frente. É isso que precisamos saber.

O grande desafio do ser humano é entender a dimensão da plenitude da vida. Sem filosofar á toa. As pessoas se perguntam diariamente como podem melhorar a qualidade de vida que tem, como lidar com a desafiadora área financeira, como potencializar sua saúde e ter mais disposição para sonhar e realizar. São perguntas complexas, mas pautadas na realidade.

Somos homens e mulheres que buscam diariamente aprender a botar em prática ações de desenvolvimento pessoal e intelectual, que se perdem ao tentar atingir uma espécie de equilíbrio emocional favorável e não fazem ideia de como dedicar-se ao autocuidado com precisão.

As pessoas sofrem tanto porque não sabem como entender, respeitar, firmar e emancipar seu caráter para desenhar uma personalidade saudável, desprezam o mundo externo da espiritualidade como se os olhos fossem o único medidor de realidade, querem saber como valorizar e admitir bons passatempos para ter práticas de lazer restauradores.

Cada ser humano necessita ressignificar a vida social com momentos satisfatórios, quer compreender onde a sua contribuição social está alocada, em que momento o esforço e o resultado se combinam na ideia de carreira e não sabe ao certo como o mundo dos negócios, o mercado e o universo do trabalho podem se desenvolver como parte da sua prórpia vocação. A gente quer entender nosso lugar no mundo.

E, além disso tudo, temos uma série de dificuldades para identificar em que lugar está o espaço e tempo disponível para aproveitar o ambiente de família como um lugar de descanso e reposição de energia. Queremos vivenciar relacionamentos amorosos que contribuem para nossa noção de grupo, que nos faça não nos sentir sozinhos e viver experiências suficientes para desenvolver uma visão de mundo realista, ponderável e propositiva.

Ser curado das coisas é também um trabalho ativo diante da vida. Perdi muito tempo tentando reconhecer os agentes causadores do meu sofrimento e dando-lhes poder de me influenciar por completo, mas o que eu não me dava conta era que a principal razão para não me curar das marcas do tempo, das pessoas perturbadoras, das situações de maldade, dos traumas vividos, das vergonhas passadas, dos enganos caídos, dos receios mais comuns e dos relacionamentos fracassados, era que eu não criava um ambiente de cura possível. Já pensou nisso?

Entendi uma coisa importante sobre minha cura. Descobri um jeito de olhar para tudo que servia para lidar com qualquer dor que um dia eu já enfrentei, que combato hoje e que encararei amanhã.

Tenho carregado isso como uma espécie de mantra, ou melhor, como um guia verdadeiro de lucidez que tem me ajudado a realizar boas escolhas e a aplicar ações pontuais nesse desafio de querer, poder e permitir ser curado.

Botei essa minha lucidez em algumas palavras. Quero te provocar a conhecer isso, mas também a “resolver” cada um dos seus problemas com coragem, ler e reler essas palavras tentando buscar ações concretas que te arranque do lugar-comum e que te coloque diante de uma lista de coisas a fazer. Pense e planeje, mas principalmente seja consistente na busca pela cura. Pronto, então lá vamos nós. A ideia é que:

Para ser curado, você tem que ser capaz de ir fundo.

Para ir fundo, você tem que ir devagar.

Para ir devagar, você tem que dominar a sua velocidade.

Para dominar sua velocidade, você tem que ser honesto.

Para ser honesto, você tem que estar abraçado com a verdade.

Para abraçar a verdade, você tem que ir na direção dela.

Para ir na direção dela, você tem que adotar um ritmo.

Para adotar um ritmo, você tem que conhecer seus limites.

Para conhecer seus limites, você tem que testá-los.

Para testar, você tem que sair do lugar.

Para sair do lugar, você tem que começar com passos simples.

Para dar passos, você tem que criar coragem.

Para criar coragem, você tem que ter objetivos claros.

Para ter objetivos claros, você tem que saber o que te movimenta.

Para saber o que te movimenta, você tem que querer ser curado.

Isso é mais que palavras amontoadas. Não é uma cartilha de auto-ajuda. Isso é algo que tem que gerar reação em você, que te força a pensar e atuar. Somos imaturamente cínicos com a nossa vida. Não acreditamos que somos sábios o suficiente para olhar para a nossa vida e realmente pensar sobre o que significa mudar de verdade. Você sabe o que precisa mudar.

O fato de não querermos olhar para o óbvio nos leva para um lugar perigoso. Somos como reféns que se dão conta que estão sequestrados, e gritam apavorados de dor, mesmo sabendo que as cordas podem estar frouxas.

Agir com responsabilidade significa estar em um lugar onde você pode dizer a verdade a si mesmo e não precisar se esconder do que sente, mas utilizar os sentimentos crus para transformar o risco em ação.

Se você tem dúvidas da razão pela qual está fazendo algo, observe os efeitos imediatos daquilo, analise as consequências a longo prazo e não se esconda dos resultados que podem gerar as suas próximas ações, seja qual for o sentimento que apareça nesse caminho, então, trate a verdade como sua única aliada. Ande em direção da cura.

Mudar tudo que precisa ser mudado significa o que para você? Você quer mesmo ser curado? Abandone-se pelo caminho, esqueça o que conhece e mude de direção, porque é exatamente agora a hora de ser curado de determinadas coisas antigas. Assuma que a cura é a sua única chance de continuar vivendo.

 

Murillo Leal | Jornalista | Top Voice Linkedin | 380.000 seguidores| Palestrante e Professor | Storytelling e Conteúdo.




VELHO É O OUTRO.

Por Monize Marques

Recentemente publiquei minha dissertação, com um estudo sobre o envelhecimento. Nela, tive a oportunidade de fazer uma pequena reflexão, de onde extraí um trecho que gostaria de compartilhar com vocês…

“Andréa Pachá (2018), após ser designada para o exercício da magistratura na Vara de Sucessões no estado do Rio de Janeiro, deparou-se com diversos dilemas decorrentes do envelhecimento e de como a sociedade não está preparada para discutir sobre isso. Ela narra como se surpreendeu pelo fato de ter envelhecido, de estar cercada de velhos e de como ela mesma continua enxergando a todos como jovens. Ao questionar sua mãe, de 77 anos, de quando ela se percebeu velha, Pachá (2018, p. 11) ouviu: “Nunca! Eu ainda não sou velha!”.

Beauvoir (2018) já havia feito essa constatação, destacando que a sociedade descreve a velhice na perspectiva do ‘outro’, enquanto ser objeto de estudo. Velho é o outro e, quando se trata de alguém próximo de nós, descobrir a velhice dele é um duro golpe.

“É normal, uma vez que em nós é o outro que é velho, que a revelação de nossa idade venha dos outros. Não consentimos nisso de boa vontade. “Uma pessoa fica sempre sobressaltada quando a chamam de velha pela primeira vez”, observa O.W.Holmes. (…) Assim, quando ouvimos nos chamarem de velhos, muitas vezes reagimos com cólera.” (BEAUVOIR, 2018, p. 302)

De início, pensou-se que esse processo de negação da velhice derivasse da visão capitalista das relações, sobretudo no mundo ocidental. Todavia, já antes de Cristo, há relatos de que a visão da própria velhice está comprometida por quatro razões possíveis: 1) afastar o homem da vida ativa; 2) enfraquecer o corpo humano; 3) privar o homem dos melhores prazeres; e, 4) aproximar o homem da morte (CÍCERO, 2019).

Se há a recusa do próprio envelhecimento, não há que se falar em visibilidade do envelhecimento populacional como um todo. Se este segmento etário não se apropria das suas peculiaridades na preservação da sua autonomia, consente, ainda que de forma velada, pela expropriação da sua capacidade de expor suas preferências e vontades. Se não houver um debate profundo sobre as circunstâncias que envolvem a velhice, sobretudo no campo da saúde e participação no trabalho, estaremos recusando anos de avanço da ciência, que há décadas busca acrescentar anos na expectativa de vida. Parece, pois, um grande contrassenso, querer aumentar a expectativa de vida, mas evitar os desafios da velhice.

Neste ponto, vale reproduzir as lições de Cícero (2019, p. 34):

A velhice só é honrada na medida em que resiste, afirma seu direito, não deixa ninguém roubar-lhe seu poder e conserva sua ascendência sobre os familiares até o último suspiro. Gosto de descobrir o verdor num velho e sinais de velhice num adolescente. Aquele que compreender isso envelhecerá talvez seu corpo, jamais em seu espírito.

Refletir sobre o envelhecimento populacional, e circunstâncias sociais decorrentes dele, passa por assumir o próprio envelhecimento, confrontando eventuais suposições preconceituosas em relação à velhice, fundamentadas em estereótipos ultrapassados.

Por isso, as lições de Cícero (2019, p. 53) permanecem atuais: “Ouve-se ainda dizer que os velhos são mal-humorados, atormentados, irascíveis e rabugentos – e mesmo avarentos, examinando bem. Mas esses são defeitos inerentes a cada indivíduo, não à velhice.””

Aliás, quantas vezes associamos a adolescência à ‘aborrecência’, a infância à birra. Mas será que realmente todos os adolescentes são rebeldes? Talvez haja um tanto de incompreensão nisso… E será que todas as crianças são birrentas? A meu ver, mais um tanto de incompreensão…

Enfim, sabe o que diz a Bíblia sobre o passar do tempo para os filhos de Deus? Que, plantados na Casa do Senhor, mesmo na velhice, ainda darão frutos, permanecerão viçosos e verdejantes, para proclamar que o Senhor é justo (Salmos 92, 14). Frutos de sabedoria e paz, que ora podem simbolizar alimento, ora sombra. Pois também ensina a Palavra do Senhor que é a convivência entre as gerações que traz força aos mais novos:

Agora que estou velho, de cabelos brancos,
não me abandones, ó Deus,
para que eu possa falar da tua força
aos nossos filhos,
e do teu poder às futuras gerações.
Salmos 71:18

Que queiramos ter e transmitir a sabedoria e força dos mais velhos. Pois, a depender da referência, velhos não são os outros… Velhos somos todos nós.

 

Monize Marques
08/05/2022

 

 

BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Maria Helena Franco Martins(trad.). 2 ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2018.

CÍCERO, Marco Túlio, 103-43 A.C. Saber envelhecer e A amizade. Porto Alegre: L&PM, 2019.

PACHÁ, Andréa. Velhos são os outros. 1. ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.




Deixem nossos velhos viverem (ou morrerem) em paz…

 

 

Saímos do hospital depois de uma visita para um velho tio, farto de dias, rico de experiências, cansado de existir. Conversei muito com ele já que poucos o visitavam e creio que as muitas horas no leito hospitalar fossem entediantes. Aquele velhinho não falou de economia, política ou futebol, mas contou sobre seu passado. Quanto assunto, quanta coisa… Quanta vontade de descansar depois de tantos anos produzindo…  Seu assunto era o ontem, com pequenas variações também sobre o amanhã, o pós-leito que o aguardava… Ele não tinha esperanças de voltar para casa, mas sabia que os poucos tubos que o alimentavam e tentavam minimizar sua dor latente eram não mais que um paliativo para impedi-lo de dormir eternamente. Fiz questão de ouvi-lo muito, posto falar ser tudo o que ele podia fazer.

 

Ao sair daquele hospital, alguém que comigo estava disse: “Poxa, ele está sofrendo tanto… Porque será que Deus não o leva?”. Instantaneamente, sem tempo para pensar, respondi: Deus já o teria levado se o homem deixasse, mas por meio da ciência, estão prolongando o sofrimento desta vida, que realmente merecia o descanso.

 

O Salmo 90 diz o seguinte: “Só vivemos uns setenta anos, e os mais fortes chegam aos oitenta, mas esses anos todos só trazem canseira e aflições. A vida passa logo, e nós desaparecemos.” Naturalmente que temos que interpretar esta passagem não de forma literal, mas entendermos o kerigma, ou seja, a mensagem central, que neste caso é: a vida passa e quem vive além da conta, apenas sofre.

 

A única certeza que temos é que nossa existência humana não será eterna. Já nascemos sabendo que dos 150 anos não passaremos… Claro que é bem menos. Sabemos que somos finitos, mas não estamos tão preparados para lidar com esta realidade quando se trata de nossos pais ou avós. Queremos prolongar não apenas nossa vida, mas não queremos que nossos familiares concluam o ciclo da vida deles.

 

Impossível impedir que a chuva chegue, que o inverno esfrie o vento, que a folha caia e que nossos pais morram junto. Sim, todos partirão e o pior que podemos fazer é não nos acostumarmos com esta incontestável realidade.

 

Há algumas décadas as famílias assistiam seus progenitores morrerem naturalmente, dentro de casa. Chegava o dia em que a vovozinha simplesmente não acordava. Atualmente não vemos nossos velhos morrerem. Logo após o primeiro sinal de que algo não está indo bem, nós os levamos ao hospital, cirurgias são feitas, por vezes ficam nas UTIs da vida até a morte, solitários, com direito a madrugadas intermináveis, geladas e com visitas escassas.

 

Naturalmente que não estou defendendo aqui a prática da eutanásia, muito menos largar nossos velhos à própria sorte, mas estou falando sobre qual o limite ético, cristão e confortável entre o “cuidar do velho” e a distanásia*, que apenas prolonga o sofrimento daqueles que “Deus está chamando para descansar…”

 

Muitos não estão preparados para a morte dos velhos. Por vezes sequer querem tratar do assunto. Alguns que estão lendo este artigo, o fazem  ou com a testa franzida ou com o coração apertado. Contudo, chegará o dia em que nossa “máquina” entrará em colapso. O mundo está tão doido, que só o fato de usar a adjetivo “velho” (que aqui estou usando de propósito), já soa ofensivo. O passar dos anos não é natural para muitos, mas para o homem “moderno”, este passar dos anos é como uma ofensa divina, que deve ser disfarçada com eufemismos, do tipo, “melhor idade”. Para alguns velhice é doença, ou defeito…

 

O que leva uma família a prolongar infinitamente o sofrimento de um velhinho “querido”, cheio de tubos, aparelhos, agulhas e os mais variados tipos de drogas? Certamente que não é o amor pelo vovô ou pelo velho papai, mas é o amor por si mesmo. Como nós não queremos perder aquela pessoa ou não estamos preparados para vivermos sem ela, não queremos sofrer com  a morte do outro, assim, acabamos por prolongar o sofrimento daquele que dizemos amar, para procrastinar o nosso sofrimento. Disfarçado de amor ao outro, egoisticamente mantemos o sofrimento do outro para que nós não soframos a dor da perda. Contudo, muitos velhos prefeririam o descanso: “Estou cercado pelos dois lados, pois quero muito deixar esta vida e estar com Cristo, o que é bem melhor…” (Filipenses 1:23)

 

Especialmente quando este velho ou velha são cristãos, daí que menos preocupações ainda deveríamos ter com sua partida, posto, pela fé, sabermos que ele ou ela partirá desta vida de dores para uma existência espiritual de paz e descanso. Mas, como o descanso do outro significará dor para a família, inconscientemente a família escolhe a distanásia*, ou seja, “melhor que o outro sofra, mas não eu”.

 

Peço que isto não aconteça comigo. Gostaria que meus herdeiros deixassem minha vida passar desta existência para uma melhor, não entubado no vazio de um hospital, mas velhinho no aconchego do lar.

 

*Distanásia é a prática pela qual se prolonga, através de meios artificiais e desproporcionais, a vida de um enfermo incurável. Também pode ser conhecida como “obstinação terapêutica”. O termo distanásia foi proposto em 1904, por Morache, e tem sido empregado para definir a morte prolongada e acompanhada de sofrimento, associando-se à ideia da manutenção da vida através de processos terapêuticos desproporcionais.

 

 



O que significa ter uma vida abundante?

“Deus não nos abandonou no acaso, mas também não é determinista ao ponto de censurar nossas escolhas. A vida com Deus requer equilíbrio e intimidade”

 

Por Marlon Max

 

Uma das coisas que estão no topo da prioridade das pessoas é “viver bem”. Muitos não se dão conta do que estão desejando, e outros facilmente fazem uma associação com uma vida abundante pela ausência de problemas. Entretanto sabemos que essa não é uma possibilidade verdadeira. Então como fazer sentido de tudo que ocorre em nossas vidas?

 

O teólogo e pastor Ed René Kivitz diz que para que uma pessoa possa se auto avaliar e saber que tipo de vida está levando. “Uma vida bem vivida, ou abundante, é aquela onde a manifestação de Deus é constante. Onde suas obras são feitas de forma genuína e inclusiva”, esclarece Kivitz. O pastor ressalta que é preciso se afastar de qualquer doutrina determinista, isto é, que faz pensar que Deus já determinou todos os nossos dias e não temos como escolher nossas próprias rotas.

 

Veja no livro de Eclesiastes, seria estranho demais pensar que Deus está me orientando que há um tempo para odiar, e logo em seguida outro para amar. Isso não expressa o caráter de Deus e não é disso que Salomão está falando.

 

Salomão está observando o que está acontecendo com o povo e por isso diz que “há um tempo de amar e parece que há um tempo de odiar, mas em momento algum isso foi pré-determinado por Deus”, Salomão está intrigado com as coisas do acaso, e da aleatoriedade.

 

É desejo de Deus que você viva bem, tenha posses e o siga com paixão. A prioridade é sempre o realizar da vontade de Deus. Essa é a única forma que temos para saber que estamos trilhando o caminho correto, mesmo durante a escassez, angústia ou luto. Deus está conosco a todo tempo, não importa a fase da vida.

 

“Decidir é um ato sagrado, escolher como viver é assumir o protagonismo da nossa vida é saudável. Nada de ‘deixa a vida me levar’, ou ‘Deus sabe de tudo, não tem nada que podemos fazer’…. Nada disso é verdade. Deus sabe que somos nós que precisamos decidir, escolher e planejar a vida que almejamos. Após isso, Deus atua com suas bençãos baseado em nossas escolhas”.

 

Viver nos dias atuais é estar exposto a todo tipo de filosofias e pensamentos. É importante que se saiba quais são os princípios de Deus para poder encontrá-lo, mesmo durante o caos. A vida abundante prometida por Deus é a evidência de que Ele sabe nos conduzir quando o tempo é desfavorável ou abundante.

 

Marlon Max




O drama da intervenção redentiva de Deus como manifestação da promessa.

Por Adriana Meira Lima Alves

Meu primeiro contato com as histórias bíblicas do Antigo Testamento foi numa classe de escola bíblica dominical. Minha mãe era professora do ministério infantil, então eu sempre a observei preparando a aula, confeccionando cartazes, separando os materiais manuais. Cada domingo esperava com grande expectativa o momento em que conheceria mais um personagem desse livro preto com bordas
douradas.

Será que essas histórias bíblicas tão fascinantes têm relevância para minha vida adulta? Ou seriam apenas informações sobre contextos históricos passados, sobre os costumes judaicos?

Cada relato histórico da Bíblia apresenta Deus ao homem. Um Deus que quer se relacionar com a sua criação. Um Deus que nos convida a conhecê-lo e a caminhar com Ele. Pontua Geerhardus Vos que “Somente à medida que tal ser escolhe se expor é que podemos conhecê-lo. Toda vida espiritual é, por natureza, uma vida escondida, uma vida fechada em si mesma. Tal vida só nos pode ser conhecida por meio de revelação”

A beleza e a profundidade da revelação divina moldam nossa maneira de viver e aquecem o nosso coração. Por isso, é fundamental que todo cristã compreenda o processo da autorrevelação de Deus, que se desdobra de uma maneira orgânica nos acontecimentos narrados nas Escrituras. O estabelecimento das alianças fornece coesão à narrativa bíblica. Deus atua em direção ao homem com vistas a redimi-lo, enunciando uma promessa. A forma divina de agir é por meio de um pacto de amor de maneira unilateral, ou seja, que independe da vontade humana. É a ação objetiva de Deus em favor da humanidade para restaurar um relacionamento conosco e que se preserva ainda que o homem venha a se desviar da aliança firmada.

Geerhardus Vos comenta sobre a proposta da teoria aliancista progressiva em que “o processo de revelação não é somente concomitante com a História, mas se torna encarnado na História”.

Segundo o princípio da progressividade da revelação, o plano de Deus se desenvolve do Antigo para o Novo Testamentos. A cada período na história do seu povo, Deus acrescenta novos elementos que
complementam as revelações anteriores. O plano da redenção é único e é reafirmado em estágios nas alianças feitas entre Deus e os homens, tendo o seu cumprimento em Cristo.

Deus inspirou homens com palavras investidas de autoridade numa sequência coerente de revelação que sempre apontava para Jesus. Assim, Deus se revelou progressivamente em cada uma das alianças firmadas com Adão, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés. Depois do período mosaico, os profetas passaram a transmitir a mensagem divina. George E. Ladd3 destaca que a mente profética, de modo geral,

“se posicionava no presente e via o futuro como uma grande tela de obra redentora de Deus em termos de altura e largura, mas sem a clara dimensão da profundidade”.

Assim, a Bíblia apresenta uma única história: da intervenção redentiva de Deus com a humanidade.

“Tudo o que é essencial para que o ser humano conheça a Deus e seja levado de volta à sua presença por meio da aliança redentiva está escrito de forma clara, limpa e transparente”

O drama inicia com a Criação. Nesse momento, Deus traz ordem e direção ao cosmos e a sua atividade criativa é bela, multiforme, graciosa! É a revelação geral de Deus presente na natureza. “Os céus declaram a glória de Deus, o firmamento proclama a obra das suas mãos.” (Salmo 19:1, NVI). Deus também criou o homem e o colocou no jardim para o cultivar e o guardar. O homem recebeu
de Deus o domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra (Gênesis 1:26, NVI). Portanto, o homem passou a agir como co-regente da criação.

Em seguida, o homem decide desobedecer a palavra de Deus. O pacto pessoal firmado foi quebrado. Toda a criação sofreu imediatamente com os efeitos corrosivos da queda5 e surgiu o sentimento de culpa. O pecado entra em cena e atinge toda a raça humana quanto à sua posteridade.

Todo indivíduo já nasce com a raiz do pecado e o desejo de autocontrole da sua vida. Em resposta, surge a promessa divina revelada na maldição da serpente, a qual norteará toda a narrativa bíblica:

“Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela. Este lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar” (Gênesis 3:15, NVI).

Como bem ressalta Wolters, após a queda, “Deus não permite que a desobediência do homem transforme a sua criação num caos absoluto. Em vez disso, ele mantém sua criação em face de todas as forças de destruição.” Deus renova alianças com diversos personagens bíblicos, para que se cumpra o seu plano de redenção. Diante das fraquezas e pecados do seu povo, a graça de Deus se revela por meio dos atos redentivos.

A pluralidade de narrativas que encontramos na Bíblia não é apenas informativa mas também é transformadora. Nós ocupamos um lugar nessa história que se encerrará com a volta de Cristo. É uma história única e coerente, em que Deus fala ao seu povo de maneira pessoal e o seu povo responde de maneira adequada ou inadequada.

Desse modo, estudar a Teologia Bíblica do Antigo Testamento nos capacitará a compreender as palavras pessoais de Deus a nós. Paulo Won muito bem sintetiza como devemos ler as Escrituras: “O que acontece no meio até o final é o drama das Escrituras, o enredo que tem o Deus Trino como seu ator principal e a humanidade como coadjuvante. A forma pela qual nós devemos ler esse grande enredo
salvífico e divino é localizando-nos dentro desse drama que começa com o ato da criação, desenvolve-se por meio da Queda, do evento-Cristo e, por fim, da redenção final.”

As histórias bíblicas, portanto, são extremamente relevantes e iluminam o entendimento de todo cristão que se dedica a conhecer a revelação especial de Deus contida na sua Palavra. Somos salvos pelo cumprimento da promessa aplicada em nós! Uma promessa que se repete e que ainda permanece, apesar da nossa natureza pecaminosa.

Dedicar-me ao estudo dos acontecimentos narrados no Antigo Testamento, com o mesmo deslumbramento de quando era criança, redirecionará o meu coração para um relacionamento íntimo com Deus. Ao compreender o cumprimento da promessa de Deus em Cristo, entendo o meu papel nessa linda história, enquanto espero a sua volta, pautando as ações de minha vida na fé inabalável que Seu Reino de justiça e beleza será implantado integralmente.

 

Adriana Meira Lima Alves

Outono de 2022.

 

 

Referências bibliográficas:

BIBO, Rodrigo; MILHORANZA, Alexandre; FONTANA, Victor; WON, Paulo. A
formação do cânon do antigo testamento. Btcast 335. Bibotalk. Brasil, 2013. 1
vídeo (56:58). Disponível em:https://youtu.be/GRJqdZp9uZg.

BRAVO, Danielly F. O maravilhoso convite de conhecer a Deus. Revista Cultivar e
Guardar. v. 2, p. 27-31, 2021.

FRAME, John M. A doutrina da palavra de Deus. Tradução: Meire Portes Santos
e Márcio Santana Sobrinho. São Paulo: Cultura Cristã, 2013. 384 p.

GENTRY, Peter J.; WELLUM, Stephen J. O reino de Deus através das alianças
de Deus: Uma teologia bíblica concisa. Tradução: Susana Klassen. São Paulo:
Vida Nova, 2021. 320 p.

GONÇALVES, Douglas; BAZZO, Ângelo. A chave para entender a bíblia.
JesusCopy. São Paulo, 2012. 1 vídeo (39:15). Disponível em:
https://youtu.be/ktO4jXxk4zc.

JÚNIOR, Paulo Borges. A pedagogia de Cultivar e Guardar. Revista Cultivar e
Guardar. v.1, p. 19-23, 2020.

LADD, George E. A presença do futuro: a escatologia do realismo bíblico.
Tradução: Renata Martins de Rezende dos Santos. São Paulo: Shedd Publicações,
2021. 352 p.

LOURENÇO, Adauto José Boiança. Gênesis 1 e 2: a mão de Deus na criação. 1ª
ed. São José dos Campos: Editora Fiel, 2011. 218 p.
PROMESSA. In: Dicionário Bíblico Wycliffe. Rio de Janeiro: CPAD, 2018.

QUEDA do homem. In: Dicionário Bíblico Wycliffe. Rio de Janeiro: CPAD, 2018.

REGGIANI, Cecília J. D. O Deus da história. Revista Cultivar e Guardar. v.2, p.
15-19, 2021.

REVELAÇÃO geral e especial. In: Enciclopédia de Apologética: respostas aos
críticos da fé cristã. GEISLER, Norman L. Tradução: Lailah de Noronha. São Paulo:
Editora Vida, 2002.

VOS, Geerhardus. Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamentos. Tradução: Alberto
Almeida de Paula. 2ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2019. 496 p.

WARD, Timothy. Teologia da revelação: as escrituras como palavras de vida.
Tradução: A. G. Mendes. São Paulo: Vida Nova, 2017. 224 p.

WOLTERS, Albert M. A criação restaurada: a base bíblica da cosmovisão
reformada. 2ª ed. Tradução: Denise Meister. São Paulo: cultura cristã, 2019. 112 p.

WON, Paulo. E Deus falou na língua dos homens: uma introdução à Bíblia. 1ª ed.
Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020. 385 p.