TELEBRASÍLIA, SUA LINDA!
Para tornar-se um cidadão de respeito na Brasília dos anos 80 havia duas premissas: ter um telefone e assinar o jornal Correio Braziliense. Numa época que internet não existia sequer na imaginação dos escritores de ficção científica e os vizinhos da cidade de vinte e poucos anos não se conheciam, o consolidador de toda e qualquer informação era o jornal: fossem eventos culturais, programação de cinema, shows, novidades, tudo, tudo esteva lá, no Correio Braziliense e quem dele se prescindia, nada sabia. Telefone! ah! O telefone! Como ser achado? Como ser convidado? Como um jovem poderia ter vida social sem aqueles sete números, os quais eram escritos com caneta num pedaço de papel e entregue para a moça: “Me liga!” Sem telefone não se paquerava! Não se existia! E, telefone, eu não tinha! Era caríssimo. Coisa de família rica. Uma linha telefônica era preço de carro. Eu estava feliz em meu apartamento novo, mas me faltava um modo de conexão com o planeta Brasília.
Certo dia lí uma matéria no Correio Braziliense que me contou em letras garrafais o que os vizinhos não contavam: “Atenção: Telebrasília lança plano de expansão para Asa Norte.” Corri até a agência da antiga companhia telefônica de Brasília e descobri duas coisas terríveis. Uma que o preço era realmente proibitivo: literalmente preço de um carro. E dois, que as filas eram intermináveis… Os interessados madrugavam na fila para apanharem as senhas que chegavam até 500 pessoas por dia. Como eu trabalhava dia inteiro, não tinha como ficar ali na fila esperando minha vez. Cheguei a ir lá na Telebrasília umas duas vezes durante aquela única semana do plano de expansão e nestas vezes eu puxava a senha e lá vinha um número gigantesco, já na quarta centena e não poderia ficar ali aguardando, pois o dever me chamava.
Na sexta-feira, último dia de vendas, eu já estava resignado que não conseguiria fazer minha inscrição e, mesmo que por milagre conseguisse, como eu pagaria as prestações da linha telefônica? A prestação do apartamento já consumia mais da metade dos meus proventos. Sim, aquele era um sonho grande demais… um sonho distante! Eu teria que me resignar em ser um cidadão invisível ainda por mais algum tempo. Porém, fui para casa na hora do almoço daquela sexta-feira, dia 28 de outubro de 1988, e, triste, orei a derradeira oração pedindo pelo telefone: “Senhor, sei que é difícil. Seria um milagre, porém, me conceda esta bênção. Eu quero um telefone. Amém!”. Como eu já tinha aprendido que oração funciona com ação, mesmo que meio desacreditado e com uma fé raquítica e sonolenta, fui caminhando até a Telebrasília. Sem ânimo, puxei minha senha e lá veio o número 482. Olhei no painel da parede que exibia o número 330. “Moça, por favor, que horas chegará o 482?”. Ela respondeu dando de ombros: “Sei não, mas lá para as quatro e meia, cinco horas…” Eu não poderia esperar pois o trabalho me aguardava. Ainda assim, fiquei olhando para aquele painel por alguns segundos, desconsolado, fantasiando que ele poderia milagrosamente estampar o número 482. Então, de repente, me chega uma senhorinha na minha frente. Pequena, magrinha, roupas bem simples, levemente corcunda e me diz: “Moço, eu não poderei aguardar mais. Tenho outro compromisso. Fique com a minha senha para você”. Peguei, agradeci e demorei segundos para olhar o número no papel. Quando, finalmente olho para a senha que acabara de ganhar da senhorinha, vejo no papel o número 331. Olho para trás e não vejo mais a senhorinha. Olho para o painel e juntamente com um estridente ding-dong aparece em vermelho o milagre: senha 331, mesa 11. Meu olhos se arregalaram, o coração veio à boca, a adrenalina acelerou meus batimentos, corri, sentei na mesa onze e quis iniciar uma conversa com a atendente, que, como uma máquina alucinada perguntava-me rapidamente, quase gritando, sem dar tempo de eu raciocinar direito: “Nome completo, endereço, CPF, identidade, filiação…”. Ela era ágil, pois a fila tinha que andar. E eu, eu não sabia se queria comprar mesmo o telefone pois estava com medo de não conseguir pagar as prestações. Mas não dava tempo nem para pensar. Era pegar ou largar. Quando dei por mim, já estava de pé, lívido e com um contrato na mão, assinado, que dizia: vinte e quatro prestações de Cz$ 22.029,00 (equivalentes a 7,46 OTN cada). Alegria e medo: “Terei um telefone, mas será que darei conta de pagar?”.
Dois anos se passaram e paguei a última prestação sem qualquer dor, pois, mesmo com os reajustes, a inflação era tão grande que as prestações tornaram-se insignificantes. Este relato me faz lembrar o Salmo de Davi, de nº 37, cuja poesia diz assim:
“Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais ele fará. Descansa no SENHOR e espera nele, pois ele é a tua salvação. Os que esperam no SENHOR possuirão a terra”.
Dez anos se passaram e já num contexto de vida completamente diferente, eu me encontrava num ano financeiramente difícil, com dívidas em minha empresa e não via meios de saná-las. Soube por meio do Correio Braziliense que, como parte do processo de privatização da Telebrasília, as linhas telefônicas tinham sido convertidas em ações da companhia. Fui até a agência da Telebrasília para ver quantas ações fazia jus aquela linha adquirida dez anos antes e pela segunda vez fui surpreendido, pois com a venda das ações da Telebrasília, o dinheiro foi suficiente para quitar toda a dívida da empresa, que, lembro-me bem, era exatamente o preço de um carro zero. O mesmo telefone foi uma dupla benção em minha vida. Sim, que a sua felicidade esteja no Senhor! Ele lhe dará o que o seu coração deseja. Ponha a sua vida nas mãos do Senhor, confie nele, e ele o ajudará.
Luciano Maia, Março de 2023.